As redes não perderam tempo a tentar encontrar o assassino de Charlie Kirk, o ativista conservador norte-americano morto no dia 10 com um tiro no pescoço. Na "caça ao homem" não faltam conspirações, vídeos enganadores e inocentes apontados como suspeitos.
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Alegação: radical de esquerda, transgénero, utilizou munições com inscrições antifascistas e de defesa das pessoas trans
Ainda nada se sabia sobre a identidade e as motivações do atacante e já contas como a de Elon Musk apontavam o dedo: "a esquerda é o partido do assassinato", escreveu o dono do X após surgirem os primeiros vídeos do ataque no campus da Universidade de Utah Valley, onde o ativista e "influencer" Charlie Kirk participava num encontro com jovens.
Não tardaram a surgir vídeos gráficos do momento em que uma única bala atingiu o pescoço do conhecido orador do movimento MAGA, por vezes associado à retórica da extrema-direita, que respondia a questões sobre violência armada nos EUA na primeira de muitas palestras do género que pretendia realizar este ano no âmbito da tour "The American Comeback".
Também não tardaram as primeiras fotos do alegado atirador, nomeadamente a de Michael Mallinson, "um democrata registado no Utah que as autoridades confirmaram [ser] o atirador de Charlie Kirk", lia-se num "tweet" entretanto eliminado, cujo conteúdo também circulou em Portugal.
Pouco depois circulou a foto de outro suspeito, Omar ou @NajraGalvz, uma transgénero que teria escrito na véspera que "algo grande iria acontecer" naquela universidade.
Circularam também vários vídeos do alegado atirador em fuga e imagens de outros alegados suspeitos identificados em fóruns como o 4chan, como a do músico Skye Valadez, que alegadamente teria partilhado na plataforma SoundCloud uma faixa intitulada "Charlie Kirk morto aos 31" e cuja identuidade a certa altura foi confundida com Stone Lambert, outro jovem que já teria participado num debate com Kirk.
Entretanto, o FBI divulgou imagens do suspeito captadas por várias câmaras de segurança, algumas delas posteriormente "melhoradas" com a ajuda de IA. Mais tarde, as autoridades estaduais divulgaram imagens adicionais.
Na sexta-feira, o "Wall Street Journal" (WSJ) avançava uma notícia não confirmada de que juntamente com arma do crime tinham sido encontradas "munições gravadas com ideologia transgénero e antifascista", informação rapidamente reproduzida um pouco por todo o mundo, incluindo em Portugal.
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À semelhança do já ocorrido na tentativa de assassinato de Donald Trump, em julho de 2024, circularam também várias teorias da conspiração, incluindo que tudo não passou de uma encenação, que eram imagens geradas por inteligência artificial, que o autor do atentado era transgénero e até que poderia tratar-se de um ataque israelita ou de um homicídio ordenado por Trump para desviar atenções dos "Epstein Files".
A certa altura, as próprias autoridades estaduais alertaram para a desinformação que circulou nas redes, alegando que "bots da Rússia e da China" estavam a tentar "incutir desinformação" e "encorajar a violência".
Na sexta-feira, as autoridades norte-americanas anunciaram ter detido o presumível autor do disparo e divulgaram as "mugshots", ou fotos do detido: Tyler Robinson, um jovem de 22 anos, também do Utah, que teria sido denunciado pelo próprio pai. Mais uma vez, as redes sociais foram rápidas a encontrar outro rosto.
Factos: redes e alguns media partilharam desinformação e fotos de inocentes
A identificação e as fotos do verdadeiro suspeito que está atualmente detido não têm qualquer correspondência com as inúmeras versões que circularam. Mas nem depois de haver um nome oficial acertaram na imagem do suspeito. A última foto que circulou é na verdade de Jack Bellows, copresidente do Partido Socialista Democrata de Salt Lake, sem qualquer relação com o crime e com os outros nomes de pessoas inocentes cujas fotos foram sendo partilhadas nestes três dias.
Michael Mallinson, por exemplo, é um cidadão canadiano de 77 anos que nunca visitou o Utah, como o próprio explica. Uma foto sua partilhada em 2020, no X, acabou a ser partilhada indevidamente por quem o achou parecido com um primeiro detido após o ataque.
Já Omar, ou @NajraGalvz revelou ser uma confusão entre duas contas, sendo a foto de Michaela, uma transgénero igualmente sem relação com a universidade ou com o crime, como explica o Lead Stories e a própria visada numa publicação no Instagram e numa entrevista à AFP, que também falou com Michael Mallinson.
A tentativa de melhorar as fotos divulgadas pelo FBI também ajudou à confusão, dado que as ferramentas de IA deturparam pormenores importantes, como a bandeira na camisola do atirador e inventaram pessoas completamente diferentes.
Ao longo destes três dias foram sendo desmontados vários dos embustes que circularam nas redes, como a alegada foto do atirador no topo do edifício, que tem mais de 6 anos ou o vídeo do suspeito em fuga, que na verdade diz respeito a outro ataque.
Vários verificadores de factos alertaram várias vezes para o perigo das conclusões prematuras e precipitadas com base em informação não confirmada e para o aproveitamento político que estava a ser feito do caso através da disseminação de informação falsa.
Foram também desmontados embustes sobre o atual suspeito, Tyler Robinson, nomeadamente aqueles em que urge com t-shirts pró-Trump, manipuladas com IA e a alegação de que está registado como Republicano, entre outros.
Um dos aspetos mais enganadores foi a informação avançada pelo WSJ sobre as alegadas inscrições encontradas nas munições, uma história entretanto clarificada numa nota do editor a sugerir cautela sobre aquela interpretação.
Nas últimas horas, vários jornalistas, "gammers" e outros especialistas apontaram que as inscrições nas munições sugerem ligação ao universo dos jogos de computador e não tanto a questões políticas.
Esta é uma das vertentes que está por esclarecer e, por isso, convém aguardar pelos desenvolvimentos, como recomenda um dos principais verificadores de factos da BBC.
Perante todas as dúvidas, muitos viraram-se para os assistentes de IA para obterem mais informação ou confirmarem os rumores que circulavam, o que se revelou ainda pior em vários casos, como conta a NewsGuard.
De todos os disparates, os mais graves são sempre a identificação abusiva de inocentes, como escreveu o "fact-checker" israelita Tal Hagin: "de longe, o pior resultado a registar foi o de inúmeras pessoas inocentes serem enquadradas como assassinas por comunidades online, sem qualquer consideração pela segurança dessas pessoas".
Apesar de todos os alertas e verificações de factos, algumas das fotos desse inocentes ou das versões manipuladas por IA chegaram a ser exibidas em canais noticiosos e jornais online portugueses.
Avaliação Lusa Verifica: Falso
É um facto que foi cometido um crime na quarta-feira, dia 10, com o homicídio do "influencer" conservador Charlie Kirk, mas desde então foram partilhadas inúmeras histórias falsas sobre os motivos e sobre a identidade do assassino, com vários inocentes a serem apontados como criminosos nas redes sociais. Este caso revela novamente a importância de não partilhar informação não verificada e oriunda de fontes pouco credíveis durante este tipo de eventos.