Cardeal afastado pelo Papa Francisco por fraude fiscal insiste em participar no Conclave
Giovanni Angelo Becciu, cardeal de 76 anos, que foi afastado pelo Papa Francisco por fraude fiscal em 2020, não aceita não participar no Conclave e diz que "não há impedimento formal ou legal" à sua presença na reunião que vai decidir o próximo líder da Igreja Católica.
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Durante sete anos, Giovanni Angelo Becciu foi muito próximo do Papa Francisco, como número dois na Secretaria de Estado. No entanto, em setembro de 2020, foi afastado pelo pontífice e submetido a um processo ligado a especulações sobre um palácio do Vaticano em Londres e sobre fundos da Conferência Episcopal Italiana para uma cooperativa ligada à família Becciu.
Três anos depois, em 2023, o cardeal foi condenado pelo Tribunal Penal do Vaticano a cinco anos e meio de prisão por fraude, após um julgamento histórico relacionado com operações financeiras da Santa Sé. Além disso, foi multado em oito mil euros.
Agora, com a morte do Papa Francisco, Becciu está de volta. Em entrevista ao jornal italiano "Unione Sarda", o cardeal disse estar "profundamente chocado" com a morte do pontífice e contou que, ao saber da notícia, partiu de Pattada, na Sardenha, para Roma. "Nada pode apagar sete anos de estreita colaboração, de decisões partilhadas nos mais altos níveis da vida eclesial e de uma amizade construída dia após dia", afirmou Becciu.
No entanto, Becciu foi incluído pela Sala de Imprensa do Vaticano entre os cardeais "não eleitorais". Por seu lado, o cardeal afirmou que "não há impedimento formal ou legal" à sua presença no Conclave que vai eleger o novo líder da Igreja Católica, uma vez que o próprio não havia renunciado explicitamente ao cargo. "Ao convocar-me para o último consistório [assembleia de cardeais por ocasião da nomeação de novos cardeais], o Papa reconheceu as minhas prerrogativas cardinalícias, na medida em que não houve nenhuma vontade explícita de me excluir do conclave, nem houve qualquer pedido explícito por escrito da minha renúncia. A lista [dos eleitores do conclave] publicada pela Santa Sé não tem qualquer valor e deve ser considerada como tal", assegurou.
Por outro lado, em entrevista ao jornal italiano "Corriere della Sera" no ano passado, disse que "não saiu como ex-cardeal, mas com a suspensão das prerrogativas cardinalícias", reconhecendo assim que essas prerrogativas lhe tinham sido retiradas. Além disso, uma nota oficial datada de 24 de setembro de 2020 informava que Francisco tinha "aceitado a renúncia ao cargo de prefeito da Congregação para as Causas dos Santos e aos direitos relacionados com o cardinalato, apresentada por Sua Eminência o Cardeal Giovanni Angelo Becciu". Assim, a menos que seja decidido o contrário, Becciu não deve participar no Conclave.
Compra de edifício de luxo em Londres
O cardeal Becciu foi o funcionário de mais alta posição na hierarquia da Igreja Católica a comparecer perante o tribunal do Vaticano. No centro do caso está a compra, por 350 milhões de euros, de um edifício de luxo em Londres entre 2014 e 2018, no âmbito dos investimentos da Santa Sé, que dispõe de considerável património imobiliário.
Becciu foi julgado com mais outros nove cardeais. Das dez pessoas processadas, uma foi absolvida; duas condenadas a pagarem uma multa; e outra a uma pena de prisão sob "sursis" (suspensão condicional da pena) de um ano e meio. A pena mais dura, de sete anos e meio de prisão e multa de 10 mil euros, foi para Fabrizio Tirabassi, um ex-funcionário da Secretaria de Estado acusado de receber comissões.
O tribunal considerou Becciu culpado de malversação porque ordenou o pagamento de um total de 175,8 milhões de euros entre 2013 e 2014, oriundos dos fundos da Secretaria de Estado, para um fundo de investimento "altamente especulativo" liderado por Raffaele Mincione. Este último também foi condenado, com uma sentença de cinco anos e meio de prisão e multa de oito mil euros.
A Justiça também considerou o cardeal culpado de pagar 125 mil euros a uma cooperativa administrada pelo irmão, assim como por pagar outros 570 mil euros a um intermediário pela libertação de uma freira refém na África. O valor, na verdade, nunca foi usado para esse objetivo.
Vários intermediários
O tribunal ordenou ainda o confisco de bens no valor de 166 milhões de euros dos condenados, bem como o pagamento de 200 milhões de euros em indemnizações às partes civis, quatro instituições do Vaticano.
Ao final das 86 audiências deste processo, os debates trouxeram à luz a falta de transparência de algumas operações financeiras da Santa Sé, com revelações sobre escutas telefónicas e procedimentos opacos através de uma série de intermediários.
Entre os destaques do processo, estão as revelações sobre uma conversa telefónica de Becciu, por sua iniciativa, com o Papa e gravada sem o seu conhecimento, pouco antes do julgamento. Nela, pedia-lhe que confirmasse ter aprovado movimentos financeiros confidenciais.
A instrução descreveu um emaranhado "quase impossível de desvendar" de fundos de investimento especulativos, bancos, instituições de crédito, pessoas físicas e jurídicas.
Esta aquisição, a um preço supervalorizado, revelou o uso imprudente do Óbolo de São Pedro, a grande arrecadação anual de doações destinadas às ações de caridade do Papa. Também gerou perdas substanciais nas finanças do Vaticano.
A Santa Sé revendeu o edifício de 17 mil metros quadrados, localizado no elegante bairro de Chelsea, à custa de grandes prejuízos.
Este caso foi um duro golpe na reputação da Igreja e do Papa Francisco, que multiplicou reformas para sanear as finanças do Vaticano e combater fraudes. Além da criação de uma Secretaria para a Economia em 2014, limitou, desde a sua eleição no ano anterior, investimentos e atividades do Banco do Vaticano, em especial com o encerramento de cinco mil contas suspeitas. O pontífice argentino também reformou o sistema judicial para que bispos e cardeais possam ser julgados em tribunais laicos, e não apenas em instâncias religiosas.