Carismático e com amor às armas. Jack Teixeira fez tremer os serviços secretos dos EUA
Jovem, carismático e entusiasta do uso de armas. Um líder, um "pai" para muitos dos jovens que se juntaram num grupo online durante os confinamentos da pandemia e que cresceu nos últimos dois anos como uma família unida. OG, um homem identificado como Jack Teixeira, é o putativo autor de uma das mais danosas fugas de informação dos últimos anos, revelando dados que complicam a contraofensiva ucraniana de primavera e que afetam a credibilidade dos serviços secretos dos EUA e a relação de Washington com aliados.
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Unidos pelo amor às armas, ao militarismo e a Deus, cerca de 20 pessoas, maioritariamente homens e rapazes, juntaram-se num clube de conversa online em 2020, no Discord, uma plataforma de comunicação popular entre adeptos de videojogos. Um dos membros do grupo disse ao jornal norte-americano "Washington Post" (WP) que conheceu o líder, um homem identificado como Jack Teixeira, há quatro anos num servidor de fãs de Oxide, um popular youtuber que faz vídeos sobre armas e equipamentos militares. Alguns membros mais ávidos acharam o servidor muito povoado e mudaram-se para um espaço virtual mais pequeno.
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Arrebanharam mais alguns fãs de Oxide e juntaram-se num servidor privado da Discord sob o nome "Thug Shaker Central", um nome com uma alusão racista, que tinha Jack como administrador. "Crescemos muito próximos, como uma família unida", disse um dos membros, sob anonimato, ao WP. "Dependíamos uns dos outros", acrescentou, revelando que se ajudavam em momentos de depressão ou de maiores dificuldades. E Jack Teixeira, segundo adianta o "The New York Times", era dos mais presentes e empático. Um líder incontestado.
"Está em forma, é forte e está armado. Tem treino. É tudo o que se pode esperar de alguém saído de um filme", comentou um membro do grupo, em declarações ao "Washington Post". Jack Teixeira, militar, 21 anos, minou a confiança nas agências de informação norte-americanas e fez estremecer as relações de Washington com vários aliados ao divulgar informações secretas sobre as forças ucranianas, o nível de prontidão dos militares leais a Kiev, a falta de armamento e a forma como os países aliados pretendem ajudar a Ucrânia a resistir à Rússia. Denunciou, também, aliados secretos de Moscovo, como o Egito, que se terá comprometido a vender armas a Moscovo, ou as tentativas de mercenários do Grupo Wagner de comprar armas à Turquia, um país membro da NATO.
Jack, natural de Swansea, no Massachusets, e que foi esta quinta-feira detido pelo FBI, começou a partilhar documentos no ano passado. Dizia que trabalhava em instalações secretas, nas quais não eram permitidos telemóveis ou outro tipo de meios eletrónicos, para evitar fugas de informação e a cópia de documentos secretos. Sabe-se agora que era militar na Guarda Aérea Nacional. Em 2020, começou a divulgar no pequeno grupo no Discord reproduções, escritas pelo próprio, de documentos secretos a que teria acesso.
"Rigoroso" queria manter o grupo informado
Considerado por um dos membros do grupo como "rigoroso", Jack Teixeira gostava que as ordens que emanava fossem cumpridas. Sentindo que os documentos que estava a partilhar não tinham a atenção do grupo, ficou zangado. "Alguém com acesso a documentos classificados gostaria de dar nas vistas, mostrar que é importante. Há algo de querer mostrar aos amigos para se exibir, mas também de nos manter informados", disse um dos membros do grupo, em declarações ao WP.
OG mudou de estratégia. Deixou de reproduzir os textos e passou a publicar fotos. Era mais rápido, mais cativante, mostrava mais "veracidade". Atraiu a atenção dos correligionários, mas expôs-se mais. Nas imagens divulgadas consegue ver-se a mobília, cola da Gorila, sapatos e outras pistas que podem ser importantes para as autoridades, com uma imagem fotografada em cima de um teclado vermelho.
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No total, cerca de 50 documentos classificados como "Secreto" ou "Extremamente Secreto" chegaram a público até ao momento e foram analisados pelo WP e por vários analistas. Os documentos partilhados são fotografias de apresentações e de ficheiros impressos em papel A4. Alguns terão sido dobrados duas vezes, provavelmente para facilitar o contrabando para fora das instalações de segurança.
Durante todo o inverno, o OG carregou documentos para o servidor. Ninguém falou em compartilhá-los fora do grupo, mas, a 28 de fevereiro, outro utilizador do "Thug Shaker Central" começou a postar dezenas de fotos de documentos confidenciais noutro servidor do Discord ligado ao youtuber "wow_mao." A 4 de março, 10 documentos apareceram no mapa do popular jogo online "Minecraft", num servidor da mesma plataforma. Nessa altura, documentos secretos e ultrassecretos já estavam disponíveis para milhares de utilizadores, mas as autoridades norte-americanas tardaram um mês a descobrir a fuga de informação.
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Entretanto, OG deixou de partilhar imagens, em meados de março. A 5 de abril, documentos confidenciais focados na guerra na Ucrânia foram revelados nos canais russos do Telegram e na plataforma de mensagens 4chan. Começaram a migrar para o Twitter e daí para o mundo, alguns truncados pela contrainformação russa. Uma imagem foi grosseiramente manipulada para inflacionar o número de vítimas ucranianas e minimizar as do lado russo.
No dia seguinte, pouco antes de o jornal "The New York Times" noticiar pela primeira vez a fuga de informação, OG entrou no servidor "frenético, o que é incomum para ele", revelou um membro do grupo, ao falar ao WP. "Disse que algo tinha acontecido e que rezava a Deus para que nada de mal daí adviesse", acrescentou.
Clubes de jogos são campo de recrutamento de espiões
Fundado há oito anos, em São Francisco, o Discord ganhou popularidade como um programa que os jogadores podiam usar para falar em grupo. A maioria dos servidores de conversa é privada, partilhada entre amigos. No domingo, o site daquela plataforma listou mais de 20 mil servidores públicos, a maioria relacionados com jogos. No caso de OG, foi usado para partilhar ficheiros secretos.
Durante anos, as autoridades de contrainteligência dos EUA olharam para as plataformas de jogos como um íman para espiões. Agentes dos serviços secretos russos são suspeitos de fazer amizade com jogadores que acreditam trabalhar para agências de informação e encorajá-los a divulgar informações confidenciais, disse um alto funcionário dos EUA, falando sob condição de anonimato. Não é claro se algum desses esforços foi bem-sucedido, mas resulta evidente que se algum agente estrangeiro tivesse acesso ao grupo de OG teria liberdade para ver os documentos e fazer cópias, como alguns membros fizeram.
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O Post reviu cerca de 300 fotos de documentos classificados, a maioria dos quais não chegou a vir a público; alguns dos textos que OG disse ter transcrito de documentos originais, uma gravação de áudio em que OG fala aos companheiros, bem como arquivos de fotografias que o mostram a falar com os companheiros no servidor da Discord. Um dos membros ouvidos pelo WP diz que o suspeito de libertar os documentos não é hostil ao governo dos EUA e afiançou que não é um traidor.
"Não é um agente russo. Não é um agente ucraniano", disse. OG batizou a sala onde revelou os documentos de "porco contra urso", numa alusão à forma como a Rússia definiu a Ucrânia, "um reino de porcos", e ao facto de Putin ser conhecido como urso. Uma indicação de que não tomou partido no conflito que estalou em fevereiro de 2022.
"Definitivamente não o chamaria de denunciante. De forma alguma", disse um dos membros do grupo, resistindo a comparações com Edward Snowden, que compartilhou documentos confidenciais sobre vigilância do governo norte-americano e vive há vários anos exilado. Dois membros dizem que conhecem OG, que sabem onde vive e trabalha, mas recusam-se a denunciar o líder. Apesar de estar a decorrer uma investigação federal, um dos elementos da "família" diz que falou com OG nos últimos dias. "Parecia muito confuso e perdido", disse. "Tem plena consciência do que está a acontecer e quais podem ser as consequências. Simplesmente não sabe como resolver isto. ... Parece bastante perturbado", acrescentou.
A última mensagem aos companheiros é reveladora. Aconselhou os seguidores a manterem a discrição e omitir qualquer informação que possa levar as autoridades até ele. E a destruir quaisquer cópias dos documentos classificados que OG tinha partilhado.
"Vão querer chegar ao fundo da questão para perceber quem está por trás disto o mais depressa possível e não se vão poupar a meios. O FBI está a tratar isto como um caso de traição", comentou Joshua Skule, um agente do FBI que agora trabalha numa empresa de contratação para o Governo dos EUA. Pelo menos um dos documentos parece ter sido impresso a partir da Intellipedia, um sistema de partilha de dados que as agências de informação utilizam para colaborar e publicar relatórios e artigos.
Havia russos e ucranianos no grupo
"Está a ser feito um esforço entre agências para tentar perceber o impacto que estes documentos podem ter na segurança dos EUA e nos aliados e parceiros", disse uma porta-voz do Pentágono, Sabrina Singh. Esta fuga de informação poderá ter impacto na disponibilidade de aliados norte-americanos partilharem informações com o Governo norte-americano e expõe, potencialmente, as fontes dos serviços secretos americanos na Rússia e noutras nações hostis.
Uma das questões mais importantes para a segurança dos norte-americanos é saber quem teve acesso, e quando, às centenas de documentos que foram publicados entre janeiro e março. Ou quão significativos são os segredos destes ficheiros. Dos cerca de 25 membros que faziam parte do grupo, cerca de metade estava localizada no exterior.
Um dos membros estima que o servidor hospedava pessoas da Europa, Ásia e América do Sul. "Os que pareciam mais interessados no material classificado diziam ser principalmente do Bloco de Leste e daqueles países pós-soviéticos", disse. "Os ucranianos também tinham interesse", acrescentou, admitindo que haveria russos no grupo.