Wuhan atualizou o balanço mortal da pandemia em mais 50%. Uma revisão em cenário de pressões para respostas.
Corpo do artigo
12082712
Pequim garante: "nunca houve encobrimento nem autorizamos encobrimentos". Na quinta-feira, anunciou uma revisão em alta - mais 50% - da mortalidade do Covid-19 em Wuhan, a zona zero da pandemia mundial. Na quinta-feira, três dias depois de os EUA acusaram a China de dissimular a gravidade do surto, um dia depois de o Reino Unido exigir explicações cabais e de a França se juntar ao coro de críticas. Afinal, o coronavírus SARS-CoV-2 matou ali, urbe de 11 milhões de habitantes, 3869 pessoas. Porque se fez a revisão dos dados de mortalidade, como todos fazem, alega Pequim. E, na verdade, nenhuma contabilidade oficial de óbitos relacionados com a pandemia bate com a realidade. Sem intenção de esconder o que quer que seja. Como o atestam os dados relativos à mortalidade excessiva em vários países europeus.
A China soma agora 4632 mortos:1290 foram somados aos 2579 assinalados em Wuhan, num aumento de 50%
Mas voltemos à China. No início do surto, em janeiro, não faltaram casos de cidadãos de Wuhan a anunciar a morte de familiares em casa, recusados no atendimento por sobrelotação hospitalar. Nunca foram diagnosticados. Passado o pico da crise, não faltaram relatos de filas de cidadãos a recolher as urnas com as cinzas das suas vítimas à porta dos crematórios, muito mais urnas do que os números oficiais.
"Alguém acredita nesses números num país vasto como a China?", questionou esta semana o presidente norte-americano, Donald Trump, ao anunciar a suspensão da contribuição para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que acusa de conluio com Pequim no encobrimento da verdade no início da crise. "Teremos que fazer perguntas complicadas sobre o surgimento do vírus e sobre por que não se pôde travar a tempo", somou Dominic Raab, que está atualmente a substituir o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em convalescença. "Manifestamente, há coisas que se passaram que não sabemos", anuiu o presidente Francês, Emmanuel Macron. A diferença é que este pediu união em torno da OMS.
A justificação chinesa
Os novos números chineses são de doentes falecidos em casa quando ainda não se sabia que circulava um novo coronavírus e depois da quarentena imposta a Wuhan, no dia 23 de janeiro, quando os hospitais implodiram, o que, além de "atrasar" ou levar a "omitir" os registos de óbitos, originou "erros de registo". Somam-se os hospitais construídos de raiz e os privados convertidos, desligados da rede de registo. A explicação é dada pelas autoridades locais à Comissão Nacional de Saúde, que também dão conta de repetições de nomes.
"O mais importante é a vida e as pessoas", disse um dos funcionários da recontagem citado pela agência oficial Xinhua. Para trás ficam as garantias absolutas de que os números estavam certos. A correção integra-se na revisão estatística que se faz por toda a parte, segundo práticas internacionais, garantia ontem o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhao Lijian.
E é verdade. O balanço final poderá demorar meses, em todo o mundo. E a aquilo que as análises estatísticas possíveis já demonstram é que a mortalidade em excesso (acima da média esperada para esta altura do ano) é bem maior do que a atribuída à pandemia (ficha).
"Não se pode comparar a situação em França, Alemanha, ou Itália com as da China ou da Rússia. A transparência, o imediatismo da informação não têm nada a ver, as redes não são livres nesses países, ninguém sabe o que lá se passa verdadeiramente", avisou Macron. E a recorrente teoria de que o vírus escapou do Instituto de Virologia de Wuhan não ajuda a calar as suspeitas. Zhao Lijian, do seu lado, irrita-se com as análises aos sistemas políticos. "É imperativo que todos os países se unam para ganhar esta guerra".
À lupa
Mortalidade superior
As estatísticas disponíveis sobre a mortalidade em março permitem concluir que nenhum país está a fornecer os números certos de mortos com Covid-19. A mortalidade em excesso (acima da média esperada) é superior à atribuída à pandemia. E isso inclui mortos em lares ou em casa, não testados, e óbitos por outras causas que poderiam sobreviver não estivessem os hospitais assoberbados.
Exemplos
Itália, país europeu mais flagelado, tem uma mortalidade em excesso 120% acima da atribuída à Covid-19. A Holanda revela uma disparidade de 140%. Espanha, segundo país mais afetados, tem mais 60% de mortes do que as relacionadas com a pandemia, tal como França, antes de começar a coletar dados dos lares. E a revisão da contagem no Reino Unido aproximou os dados da realidade, faltando apenas explicar 10% das mortes.
Bélgica
É o país com a mais elevada taxa de letalidade europeia, por incluir nas estatísticas todas as mortes ocorridas em lares, independentemente de serem testadas para Covid.