O movimento #MeToo irrompeu há cinco anos como uma onda que se agigantou até se transformar num tsunami que parecia destinado a varrer da face da terra mediática todos os agressores que se aproveitavam de uma posição de superioridade no local de trabalho para abusar de mulheres, as primeiras a falar, homens e adolescentes. Políticos, comediantes e atores, alguns consagrados, foram levados pelas águas revoltas do movimento que despertou em outubro de 2017, mas enquanto alguns foram levados pela maré outros não sofreram mais do que uns salpicos. Entretanto secos.
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Cinco anos depois do despertar do #MeToo, um movimento dedicado a expor as agressões sexuais e do assédio no local de trabalho, alguns dos acusados recuperaram as carreiras, outros apenas a vida, poucos estão a cumprir pena. O detido mais emblemático, o poderoso produtor cinematográfico Harvey Weinstein, acusado de receber as atrizes em quartos de hotel apenas com um roupão semivestido, está a cumprir pena de prisão em Nova Iorque a aguardar julgamento noutro caso, na Califórnia.
O cantor R Kelly, que havia sido considerado inocente das acusações de pornografia infantil em 2008, voltou à barra dos tribunais em 2019, ainda a pandemia germinava algures num mercado chinês; foi condenado já este ano por abuso sexual, com o tribunal a dar crédito às acusações de várias mulheres. Cumpre pena também em Nova Iorque, enquanto aguarda o desenrolar de outros processos no Illinois.
Dos homens que caminham mortos na vida pública
O ímpeto inicial do MeToo#, muito tímido em Portugal, sugeria que a exposição pública dos agressores levaria a uma espécie de descrédito eterno dos abusadores, que os erradicaria da vida pública para sempre. Em poucos casos a tese foi confirmada na prática. O jornal "Washington Post" (WP), que faz esse levantamento, cita exemplos como o do antigo patrão do canal de televisão norte-americano CBS Les Moonves, do ex-candidato ao Senado pelo Alabama Roy Moore, acusado de relações com menores, e do documentarista Morgan Spurlock entre aqueles cujas carreiras encontraram um epílogo na sequência das acusações.
Uma categoria de homens que caminham mortos na vida pública cujo epítome é o ator Kevin Spacey, vencedor de um Oscar e com uma fulgurante carreira subitamente interrompida por várias acusações de comportamentos impróprios, abusos e pressões sexuais, que o colocaram no topo da lista dos mais famosos abusadores. De tal forma que a breve aparição no "trailer" de um filme de baixo orçamento, em 2021, gerou tal onda de indignação que o próprio realizador foi ostracizado.
Menos conhecidos mas igualmente acabados para a vida pública, o realizador Bryan Singer foi rapidamente excomungado da indústria fílmica depois de ser acusado de violar um rapaz de 17 anos. O antigo e renomado maestro da Opera Metropolitana de Nova Iorque James Levine, entretanto falecido, também foi expurgado da Ágora moderna na sequência das acusações de abusar de vários homens, alguns adolescentes.
O "comeback" é mais para rir
Entre alguns homens que se mantiveram discretamente a trabalhar, há aqueles que regressaram à vida anterior em pouco tempo. Um dos mais conhecidos é o de Louis C.K., acusado, em 2017, por cinco mulheres de se masturbar em frente a elas. O comediante pediu desculpas imediatas e regressou à vida ativa pouco depois do ato de contrição. Em 2018 iniciou digressões mundiais, com passagem por Portugal, e em 2021 ganhou o Grammy de melhor álbum de comédia.
Um regresso rápido a que não será alheia a especificidade da profissão de Louis C. K., que enquanto comediante depende mais da aceitação do público e dos convites dos clubes de comédia do que de produtores ou redes de distribuição. Uma particularidade que parece também ter contribuído para o regresso célere e sem marcas do ator e comediante Aziz Ansari. Acusado anonimamente em 2018 de pressionar uma mulher para atos sexuais, admitiu o incidente, de que pediu desculpa, apesar de dizer que pensava que tinha sido uma relação consensual até a vítima falar. A acusadora, que nunca foi revelada, admitiu que pode ter havido um problema de comunicação e o caso ficou resolvido, até porque era único e aparentemente irrepetível.
Os "inimputáveis"
Mas há casos em que a fama do acusado parece ter servido como um escudo protetor. Uma cúpula repelente de acusações que abrigou dois consagrados e conhecidos atores norte-americanos, Dustin Hoffman e Morgan Freeman, ambos a saírem incólumes de revelações que teriam arruinado vidas menos mediáticas.
O ator de "Tootsie" e vencedor de dois Oscars foi acusado de má conduta sexual por cinco mulheres em 2017, duas das quais menores à altura dos factos. "Peço desculpa, isso não representa quem eu sou", disse Dustin Hoffman, que rapidamente recuperou a carreira. Atualmente com 85 anos, tem dois pequenos filmes a chegar às salas de cinema e outros dois em pré-publicação.
Oito mulheres acusaram Morgan Freeman de importunação sexual, algumas referindo incidentes na rodagem de filmes, toques inapropriados e comentário sobre as roupas e os corpos das mulheres. "Não é correto equiparar horríveis incidentes de agressões sexuais com piropos", disse o ator, desvalorizando as acusações. Assunto encerrado. A vida corre tranquilamente ao homem que vestiu a pele de Nelson Mandela, conduziu Miss Daisy e deu voz a Deus.
Para outros foi mais difícil, foram anos de sombra. No caso do ator James Franco, que foi acusado de assédio sexual dias depois de receber um Globo de Ouro, está de regresso ao trabalho, contratado para fazer o papel de Fidel Castro no filme "Alina de Cuba". Noutro âmbito, Andrew M. Cuomo, que resignou do cargo de governado de Nova Iorque após várias acusações de assédio sexual, estará a preparar o regresso à vida pública, enquanto o produtor musical Russell Simmons se reinventou em Bali como investidor em novas empresas na área da tecnologia.
"A melhor forma de sobreviver a uma crise deste género é contar a verdade. E depressa", como fez Louis C. K., por exemplo. "E dizê-lo ao maior número possível de pessoas", considera Thom Fladung, sócio da Hennes Communications, uma empresa que ajuda pessoas e instituições a recuperar a credibilidade após acusações sérias ou choques mediáticos, ouvido pelo WP.
E as mulheres? Pergunta uma vítima
O ex-senador Al Franken, um dos primeiros a ser varrido pela força inicial do #Metoo, figura como um dos exemplos dos variados resultados das ondas de choque deste movimento. Representante do Minnesota, resignou, sob pressão do Partido Democrata, acusado por oito mulheres de importunação sexual. O ex-comediante, veterano do "Saturday Night Live", admitiu estar arrependido... da resignação e recuperou parte da carreira. Não voltou ao Senado, mas é o autor de um podcast popular e enche salas quase todas as semanas.
"Falamos da reabilitação dos homens, mas a verdadeira questão é onde estão as mulheres e porque não voltaram a trabalhar", observou, a jornalista Gretchen Carlson que processou o fundador da cadeia televisiva Fox Roger Ailes. A acusação de assédio sexual terminou com um acordo extrajudicial de 20 milhões de dólares, sensivelmente o mesmo valor em euros ao câmbio atual, mas perdeu protagonismo e quase desapareceu em funções menores na televisão norte-americana. Não é a única cuja vida foi irremediavelmente estragada pelo assédio no local de trabalho. Alguns homens estão a pagar por outro; outros, nem tanto nem tão-pouco.
"Muitas das vítimas destes poderosos acusados de abuso ficam presas ao trauma do abuso e da frustração de sentir que o que fizeram ao revelar os abusos não foi valorizado", comentou a advogada Simpson Tuegel. "Sentem que não foram verdadeiramente ouvidas", concluiu.