Partidos da extrema-direita inglesa levam rombo nas eleições locais. Investigadora da Universidade do Minho aponta ao JN três razões para a perda de votos, sublinhando o "esvaziamento" do tema Brexit e a estabilidade económica como prioridade.
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São claros os vencedores e vencidos das eleições locais de Inglaterra, disputadas na quinta-feira passada. Vamos aos primeiros: ultrapassando os Conservadores no poder local pela primeira vez desde 2002, o Partido Trabalhista foi o mais votado e o que conquistou mais vereadores (mais de 600), triunfando em três quartos dos distritos e reforçando a candidatura à vitória nas eleições gerais de 2024. Boas notícias também para os Liberais-Democratas (somaram mais 400 lugares) e para o Partido Verde (mais 200), que superaram as expectativas e ganharam expressão neste ato eleitoral.
Na lista dos derrotados, ficou a Direita, da moderada à radical. Enquanto os "tories" (no Governo) perderam 960 assentos, os radicais UKIP e Reform UK, ambos ligados a Nigel Farage (figura-chave da campanha pelo Brexit), quase desapareceram do mapa nos círculos eleitorais que disputaram. Os eurocéticos do UKIP perderam os 25 vereadores que tinham e o Reform UK - antigo Partido do Brexit, que mudou de nome depois da saída do Reino Unido da União Europeia - só conseguiu ganhar mais dois lugares, somando seis no total.
Se a queda dos primeiros não surpreende tendo em conta a perda de relevância desde a saída de Farage (que abandonou o UKIP para fundar o Partido do Brexit em 2018), não se pode dizer que o desempenho do Reform UK fosse expectável - o partido anti-sistema, e assumido como anti-confinamento na pandemia, tinha duplicado as intenções de voto e estava posicionado como terceira força política nas sondagens, ameaçando roubar eleitores ao Partido Conservador.
Em reação aos resultados, o atual líder do Reform UK, Richard Tice, disse que foi "brutalmente prejudicado" por um sistema eleitoral que acusa de beneficiar os principais partidos, defendendo que "Roma não foi fundada num dia" e que o seu partido é "novo" (embora não seja desconhecido do eleitorado e tenha até vencido as eleições de 2019 para o Parlamento Europeu enquanto Partido do Brexit). A derrota, garantiu, não altera a principal missão política: assegurar que o Partido Conservador "nunca mais vai ter um Governo maioritário" no Parlamento.
Brexit "esvaziou", foco é economia
O "esvaziamento" do tema Brexit, a perda da "liderança carismática" de Nigel Farage e a transferência de votos dos conservadores para os liberais, atendendo ao atual contexto social e económico do Reino Unido, são três principais razões possíveis para a queda da Direita nas urnas apontadas por Catarina Silva, do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho.
Quanto à questão da saída da União Europeia, a investigadora nota que o Partido do Brexit/Reform conseguiu captar "o descontentamento, o populismo e a ala mais radical" da sociedade numa altura em que o Brexit era um tema dominante. "Agora, já não consegue, porque o tema dominante é eminentemente económico. E, aí, o Reino Unido já tem um sistema bipartidário plenamente definido há muitos anos. O Reform saciou o apetite do Brexit quando a sociedade estava dividida entre ficar e sair [da União Europeia] e neste momento não tem expressão na clivagem económica", explicou ao JN, lendo os resultados, não como uma queda da extrema-direita, mas como "uma queda natural do próprio partido, que é uma sombra do UKIP e que esvaziou o seu nicho e não encontrou uma forma de sobreviver no novo nicho, que é a economia".
A saída de Nigel Farage e a crise dos conservadores
Para o prejuízo eleitoral do partido terá contribuído também a perda da "força e expressão mediática de Nigel Farage", cuja imagem se distanciou da liderança, e ainda a "transferência segura de votos" para trabalhistas e, sobretudo, liberais, "atendendo à crise dos conservadores, e à crise social e económica em que os conservadores deixaram o próprio Reino Unido", com anos de instabilidade política, "medidas impopulares" e sucessivas mudanças de líderes.
"Os eleitores reorganizaram-se entre a Esquerda, que foi quem teve o maior resultado eleitoral, e a Direita. Neste caso, como os Conservadores têm que ser penalizados pelos anos de desastre, de caos político, social, pandemia, inflação e agora greves, quem acaba por beneficiar desses descontentamentos são os liberais", acrescentou Catarina Silva, para quem a distância dos resultados face às sondagens é mais difícil de explicar.
"Estamos no campo das probabilidades, mas poderá ter acontecido que, como a duplicação das intenções de voto no Reform aconteceu imediatamente a seguir às medidas impopulares, o descontentamento refletiu-se logo nas sondagens, mas não na prática, quando de facto foi necessário votar", apontou, não prevendo bons destinos para o partido. "Geralmente, em eleições locais temos mais votos e em eleições gerais temos mais disposição para abstenção. Se em eleições locais o Reform tem este resultado, a expectativa para 2024 não é boa. Estas eleições locais foram o teste."