Guterres lembra que o Mundo está condenado sem entendimento climático. Portugal vai ao Egito defender que a transição para renováveis seja acelerada.
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O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, insistiu ontem que a população mundial estará "condenada" caso os países ricos e as nações em desenvolvimento não cheguem a um acordo climático, necessário para evitar uma catástrofe ambiental. Os ambientalistas, as organizações não-governamentais e até responsáveis políticos, como o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, partem para a COP27, que começa hoje no Egito, com reduzidas expectativas, tendo em conta, também, o incumprimento de medidas decididas nos encontros anteriores. A atual conjuntura mundial, com uma crise energética e inflacionária, é uma ameaça ao entendimento e poderá conduzir ao adiamento da transição do uso de combustíveis fósseis para renováveis.
Em Portugal, o Governo sublinha a certeza de que a transição energética tem de ser acelerada. O ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, garante que a transição energética é para manter e acelerar, procurando que 80% da energia produzida seja de fontes renováveis já a partir de 2026, e não 2030. Portugal poderá dar "um bom exemplo" no corte de emissões, apontando para uma redução de 4,8%, em 2021, ano em que o crescimento económico foi de 4,9%, concretiza.
Ao JN, Filipe Duarte Santos, geofísico da Universidade de Lisboa, realça o papel a desempenhar por Portugal junto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). "Portugal poderá ter um papel de cooperação maior, nomeadamente no apoio financeiro ao conjunto de países da CPLP, como Angola, Moçambique, Cabo Verde e Timor Leste, na sua mitigação e adaptação ao aquecimento global", explica.
Compromisso por cumprir
O secretário-geral das Nações Unidas lamenta que os países desenvolvidos ainda não tenham concretizado o compromisso, assumido há uma década, de dar às nações mais pobres um total de 100 mil milhões de euros para a mitigação e adaptação às alterações climáticas. E ninguém está a salvo, adverte Guterres.
"Nenhuma nação está imune. No entanto, continuamos a alimentar o nosso vício em combustíveis fósseis. Perante isto, temos uma de duas opções: a ação coletiva ou o suicídio coletivo", alertou, ontem, em entrevista ao jornal britânico "The Guardian", a poucas horas do arranque da 27.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP27). A cimeira, que se prolonga até 18 de novembro, deverá reunir representantes de 198 países, académicos e organizações não governamentais no debate entre países ricos (os principais responsáveis pela subida do aquecimento global) e países pobres (os que menos contribuem para as emissões de gases de efeito de estufa e mais sofrem os impactos).
A COP27 acontece num contexto de crises múltiplas, decorrentes da guerra na Ucrânia, o que pode vir a centrá-la na questão financeira e adiar a concretização de planos para a transição para as energias renováveis. Apesar de considerar ser "absolutamente necessário alcançar avanços", Frank-Walter Steinmeier manifestou-se cético sobre os resultados da conferência, justificando que é "difícil imaginar que, em tempos de conflito, estados como Rússia ou China desempenhem um papel construtivo.
Temos de gritar até que sejamos ouvidos
Rostos dos ativistas que fazem a COP nas ruas lusas. Prometem ações nestas duas semanas
O objetivo que os move é o mesmo: chamar a atenção para a necessidade de travar a crise climática enquanto a janela de oportunidade não se fecha por completo.
Teresa Santos tem 30 anos e conta que, desde criança, ouve falar de alterações climáticas, mas nunca viu nada a ser feito. Especializou-se em Biologia e, enquanto investigadora, sente na pele a desvalorização dos políticos e dos demais decisores face às evidências científicas de que não conseguem manter as metas do Acordo de Paris. Continuam a "apoiar petrolíferas e empresas de energia fóssil e a perpetuar crimes climáticos e ambientais contra o Mundo inteiro", lamenta. Inspirada pela mensagem do Scientist Rebellion, um movimento mundial criado há dois anos e composto maioritariamente por membros da comunidade científica, a jovem trouxe-o até Portugal, em fevereiro passado.
Em outubro, participou em três ações de desobediência civil em Berlim (Alemanha) contra as empresas de fabrico de automóveis, que "têm um forte poder de lobbying na Alemanha", acabando detida. "Temos de continuar a sair dos laboratórios e das salas de aula para gritar, até que sejamos ouvidos. Precisamos da comunidade científica em força", alerta.
Romper a normalidade
"A grande mudança na minha vida foi perceber que esta crise não pode ser combatida com ações individuais. Temos de nos mobilizar coletivamente", conta Leonor Chicó, ativista no núcleo de Lisboa do coletivo Greve Climática Estudantil por justiça climática.
A jovem de 17 anos, que sempre foi uma pessoa bastante politizada, passou a dedicar grande parte do seu tempo ao ativismo. Terminado o Secundário, Leonor Chicó decidiu parar os estudos durante um ano para se envolver ainda mais. Prepara-se, agora, para as ocupações pacíficas de escolas e universidades em Lisboa. "É um ato em que acredito. Só assim podemos mudar, porque rompe com a normalidade", defende.
Sinan Eden mudou-se para Portugal, depois do surgimento da "geração à rasca", em 2011. Trazia já a experiência do ativismo universitário, em resposta ao conformismo que existia na Turquia. Ao mesmo tempo que aprendia a língua, procurou movimentos climáticos e acabou por fundar, com outros ativistas, o Climáximo, em 2015.
O ambientalista recorda a memória de Aylan Kurdi (o menino sírio de três anos que morreu a atravessar o Mediterrâneo), motivo pelo qual não cruza os braços: "A crise climática não são gráficos nem projeções. O que me toca mais é essa praia e a crise humanitária que será agravada pelas alterações climáticas".
Estes ativistas fazem parte da coligação Unir Contra o Fracasso Climático, que convocou uma quinzena de ações em Portugal, coincidentes com o decorrer da COP27. Está agendada uma marcha pelo clima para o dia 12 de novembro, às 14 horas, no Campo Pequeno, em Lisboa.