Aldeia na região de Kherson tinha 2123 habitantes antes da guerra, depois da ocupação russa regressaram menos de 200
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A 24 de fevereiro do ano passado moravam em Oleksandrivka, nos arredores de Kherson, 2123 pessoas, durante a ocupação russa permaneceram apenas 16. As contas são da chefe da aldeia, Nataliya Kamenetska, uma espécie de presidente da junta.
Os que ficaram são quase todos reformados, pessoas que não queriam abandonar as casas onde moravam. Limitaram-se a sobreviver com o que tinham guardado na aldeia e com comida enlatada dos vizinhos. Uma senhora, a mais velha de entre os que ficaram, conta que de vez em quando os soldados russos davam-lhes alguma comida.
Foi levada para Stanislavski, uma aldeia sete quilómetros mais à frente. Lá, o quadro é diferente: "Há pessoas que apoiaram as autoridades ocupantes, ajudaram os invasores, cooperaram com eles. Definitivamente ainda há lá pessoas que esperam que os ocupantes regressem", lamenta Nataliya.
Os invasores deixaram Oleksandrivka a 9 de novembro. No mesmo dia, Kherson caiu, e um dia depois chegaram os soldados ucranianos. Agora, com os rockets a continuar a cair na aldeia, as posições russas estão a pouco mais de dez quilómetros em linha reta, na outra margem do golfo do Dnieper. Mas essa está longe de ser a única ameaça à segurança: há minas antitanque e antipessoais por todo o lado.
"Infelizmente já morreu uma família inteira. Foi fora da aldeia, estavam a andar de carro e rebentaram uma mina antitanque", relata. Já esta semana, um homem de 31 anos pisou uma mina. "Graças a deus está vivo", mas perdeu uma perna.
Conversámos com Nataliya na sede da junta de freguesia. Lá fora, na rua da Paz, estão um busto do poeta Taras Shevchenko com vários tiros no peito e dezenas de pessoas. Algumas têm na mão sacos azuis do Programa Alimentar Mundial (PAM). Sem poderem trabalhar os campos, antes agrícolas e agora minados, pouco lhes resta para fazer. "Distribuímos ajuda humanitária quase todos os dias e duas vezes por semana entregamos pão. É um cabaz básico, de acordo com as normas do PAM".
O edifcio da junta é dos poucos que restam intactos na aldeia. A farmácia, do outro lado da estrada lamacenta, não teve a mesma sorte e ardeu. Mas a sua reconstrução, como a das casas, depende de organizações de voluntários que "preservam o que resta delas".
"Tapam os telhados com plástico, para que possam aguentar até à primavera. Assim, os donos podem ir reconstruindo aos poucos", explica Nataliya. Nos próximos dias vão chegar à aldeia 50 voluntários, "operários da construção civil da região de Rivne". Hão-de trazer materiais para os telhados, que "são mesmo a prioridade".
As tropas russas ocuparam Oleksandrivka durante mais de oito meses e, das quase 2200 pessoas que aqui moravam antes da guerra, são menos de 200 as que regressaram.
Por toda a Ucrânia, há relatos de autoridades locais que se viram forçadas a colaborar com o invasor. Não foi o caso de Natalya: "Graças a Deus não me tocaram", conta com um suspiro.
Uma moradora chegou a denunciá-la, mas um engano com os endereços fez com que as tropas russas não a conseguissem identificar. "Não tive de colaborar com eles", relata, para logo acrescentar: "Claro que há alguma tensão moral entre nós, mas confio nos nossos rapazes. Costumo dizer que, se sobrevivi à ocupação, consigo sobreviver a qualquer coisa".
