No passado, foi uma estrela de críquete. Seguiram-se as aventuras políticas. Imran Khan, ex-primeiro-ministro do Paquistão, foi detido sob acusação de corrupção e entretanto foi libertado por ordem do Supremo Tribunal. No entanto, o processo judicial não deverá ficar por aqui, mas uma grande fatia da população já deu provas de que não vai largar a mão do ídolo independentemente do que acontecer.
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Imran Khan foi, na última terça-feira, detido pelas autoridades do país, que o acusam de estar envolvido num esquema de corrupção. Entretanto, e após um tribunal de Islamabad ter ordenado que o principal líder da oposição ficasse atrás das grades ao longo de pelo menos uma semana, o Supremo Tribunal interveio e pediu a libertação do antigo chefe do Executivo.
Apesar da decisão judicial, o Governo informou que estava determinado a encontrar outros meios legais para voltar a prender o ex-primeiro-ministro, mas os manifestantes, que ao longo dos últimos dias não têm cessado os protestos, prometem continuar a lutar pela liberdade daquele que consideram ser o pilar da nação do Sul da Ásia.
Depois de o político ter sido libertado, a violência nas ruas - que levou à detenção de pelo menos dois mil manifestantes pró-Khan - diminuiu, mas, caso o antigo líder volte a ser detido, o cenário poderá voltar a escalar, havendo o risco de guerra civil.
Khan e os seus apoiantes acusam o Exército paquistanês de estar por detrás de uma tentativa de assassinato, que ocorreu durante um comício onde discursou em novembro de 2022. Em causa está um verdadeiro braço-de-ferro entre o líder político e o setor militar, que tem vindo a alcançar um papel cada vez mais preponderante no seio do Governo.
De "playboy" europeu a político de topo
Se para uns, Khan é visto como uma figura que pretende usar a turbulência política para difundir os interesses pessoais, depois de, enquanto líder, ter praticado alegadas ações corruptas que impulsionaram uma crise política, económica e constitucional no país, para outros é observado como espécie de Deus. Uma grande parte da população, que agora tem lutado nas ruas para provar a sua inocência, vê a antiga estrela de críquete como um rebelde antissistema que tem a personalidade certa para promover mudanças estruturais no Paquistão.
Foi em 1992 que Imran Khan se viu, pela primeira vez, colocado sob as luzes da ribalta devido à conquista do único título mundial do Paquistão no críquete - modalidade na qual brilhou durante décadas ao atuar como jogador da seleção nacional. Três anos após a glória desportiva, o paquistanês acabou por casar com a jornalista Jemima Goldsmith, membro da aristocracia britânica, depois de ter vivido e estudado durante um longo período de tempo em Oxford, no Reino Unido.
Em 1996, ajudou a formar um novo partido político conhecido como Movimento Paquistanês pela Justiça (PTI, na sigla em inglês), com a promessa de trazer democracia, progresso e conhecimento para um país que se mantinha, há vários anos, refém da influência militar, bem como do domínio de algumas dinastias políticas poderosas.
Khan ascendeu politicamente e tornou-se numa das maiores figuras da oposição do país, optando por uma retórica nacionalista e conservadora baseada em narrativas islâmicas e antiocidentais, reposicionando-se, assim, como um muçulmano devoto, com o intuito de fazer desaparecer a fama de "playboy" à qual ficou colado durante o tempo em que viveu na Europa.
Apenas em 2018, devido à popularidade que foi alcançando no meio político, conseguiu tornar-se primeiro-ministro do país - feito que se deveu ao apoio de uma fação do Exército, que teve como função manipular os bastidores políticos de modo a levar a celebridade ao poder.
A queda de uma estrela que ainda brilha
No entanto, o entendimento com os militares começou a desmoronar-se devido a disputas internas apenas um ano após Khan ter chegado ao cargo. A tensão entre o primeiro-ministro e os elementos do Exército começou a escalar e os parlamentares, já descontentes com a situação económica, retiraram o apoio ao Governo de Khan que, aos poucos, começou a enfraquecer. Embora o líder se tivesse esforçado para evitar uma moção de censura, esta acabou por avançar em 2022, altura em que o Governo não resistiu à tempestade política interna e caiu.
Posteriormente, em vários discursos, Khan culpou os militares pela queda do Executivo, alegando que tinham orquestrado uma "conspiração apoiada pelo Ocidente" com o intuito de o derrubar.
O antigo chefe de Governo tornou-se ainda num crítico do sistema político nacional e fez uma campanha nas redes sociais, onde apelava por eleições antecipadas. Já em novembro de 2022, depois de ser baleado num comício em Punjab, Khan acusou abertamente o Governo e os militares de conspirar com potências estrangeiras para o matar.
Agora, está a braços com a Justiça ao enfrentar dezenas de acusações relacionadas com corrupção e sedição, mas garante que as alegações apenas têm motivações políticas. Ainda que o político esteja entre a espada e a parede, a popularidade de Khan ficou evidente poucas horas após ser detido na terça-feira, altura em que muitos dos seus apoiantes não hesitaram em sair à rua para ecoar a retórica do ídolo.
No meio dos protestos violentos contra os militares, que ocorreram em diferentes cidades do país, muitos paquistaneses pediram a realização de eleições antecipadas, marcadas para outubro. Se acontecerem, e Khan conseguir participar, vários analistas políticos acreditam que sairá vitorioso.