Há quem jogue sem olhar ao número e há quem insista em comprar todos os anos os mesmos, mas a forma clássica de jogar em Espanha é apostar em datas simbólicas. Aniversários, casamentos, nascimentos de filhos. Ou, mais curioso, acontecimentos trágicos.
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A lotaria de Natal espanhola (Lotería de Navidad), a maior do Mundo e cujo primeiro prémio milionário tem o nome de "El Gordo" (para os espanhóis sinónimo de chorudo), começa a vender meio ano antes do sorteio, em todos os 22 de dezembro, e provoca uma verdadeira corrida aos números de má sorte. Exemplo disso foi o 23518, alusivo à data da trágica explosão de material pirotécnico que, a 23 de maio deste ano, matou duas pessoas numa habitação de Tui, na Galiza: esgotou em outubro, com a maioria das séries compradas em Vigo.
Hoje, distribuirá um total de 2380 milhões de euros em prémios com valores são fixos. O primeiro arrecadará quatro milhões de euros por série, 400 mil por cada décimo. Uma quantia que atrai gente de todas as nacionalidades. E os portugueses, principalmente os que vivem junto à fronteira, não são exceção.
portugueses clientes
"É a maior lotaria do Mundo e já foi muito maior. Em 2008, antes da crise, havia 195 séries de cada número. Eram repartidos mais de três mil milhões de euros em prémios. Por ser muito atrativa, quando começa a ser vendida no verão, todos os turistas compram. Vai para todo o lado. Ainda no outro dia enviei uma para a Suíça, e outra para Inglaterra. Não há outra igual a esta", conta ao JN Alejandro Pardo, orgulhoso tenente do posto de venda oficial "El Puente", que, como o nome indica, fica junto à velha ponte internacional entre Tui e Valença.
O galego, que trabalha em jogos de azar há 44 anos, começou como empregado. Hoje é proprietário. Nunca teve a sorte de vender um primeiro prémio "El Gordo", mas já entregou "um milhão de euros" várias vezes, noutros jogos. "Do Natal só entreguei um 5.o prémio e foi no ano passado. 60 mil euros repartidos. Também tocou a um português, que é aqui cliente habitual", recorda Alejandro. "Sempre aparecem portugueses para jogar a cautela, mas não têm a tradição que tem os espanhóis".
Ou até têm
Jorge Fernandes, pizzaiolo em Valença, é dos portugueses que contrariam Alejandro. Não perde uma oportunidade de jogar. Ainda mais quando estão em jogo prémios milionários. Este ano comprou quatro décimos da "Lotería de Navidad". Gastou 80 euros.
"Jogo sempre e já me saiu, coisa pequenina, 90, 100, 110 euros, valores baixos. Às vezes compro seis ou sete e distribuo pelo meu pessoal aqui na pizzaria", conta-nos. "Não me preocupa escolher os números. Chego e digo por brincadeira, dê-me as lotarias que têm prémio, mas por norma jogo à sorte. Já joguei com o meu ano de nascimento e da minha mulher, se tiver, se não tiver é igual". Porque Jorge não vai na crença espanhola.
tragédias esgotam
"Aqui acredita-se que a tragédia atrai sorte. Onde há uma desgraça, procuram-se números relacionados com essa zona ou a data em que aconteceu. E a verdade é que tem coincidido. Já sucedeu, acontecer uma tragédia e sair ali a lotaria", garante Alejandro, ilustrando: "O número que mais vende é o 13. Nunca sai, mas este ano esgotou uma hora depois de a lotaria começar a ser vendida". É como a data do ano, "também desaparece logo. O 2018 esgotou também".
Mas sorte é sorte e pode cair em qualquer número. Nos mais de 200 anos de existência desta lotaria extraordinária (1812), recorda o jornal "Voz de Galicia", apenas dois números repetiram: o 15640 foi sorteado em 1956 e 1978; e o 20297 em 1903 e 2006...
O milagre de Ngagne
Em 2015, Ngagne contava 35 anos, sete deles em Espanha, desde aquele dia em que o bote que o trazia do Senegal chegou a uma praia de Tenerife. E contava vários empregos sazonais na agricultura, depois de chegar à metrópole. Em 2015, estava desempregado e vivia na localidade de Roquetas de Mar, em Almeria, onde vários vizinhos se juntaram para tentar a sorte no El Gordo. "Nem cinco euros tinha por dia", recorda Ngagne. Mas tinha um décimo do bilhete 79 140. Imane, marroquino, tinha outro. Ngagne, no francês oficial do Senegal, significa "ganha". Foram 400 mil euros.
Pormenores
2380 milhões de euros serão repartidos em prémios, ou seja, 70% dos 3400 milhões arrecadados nas vendas, que arrancaram em julho.
4 milhões de euros é o primeiro prémio de cada série vencedora (400 mil por décimo, num total de 680 milhões), 1,25 milhões é o segundo (total, 212,5 milhões) e 500 mil o terceiro (85 milhões).
20% dos apostadores são estrangeiros, via Internet ou, no caso de portugueses, nos quiosques raianos. Se um prémio sair fora de Espanha, é o banco do vencedor que tem de pagá--lo, sendo depois ressarcido por um banco espanhol.
10 mil euros é o limite de prémio não tributável. Acima disso, paga-se 20% de impostos, quer se seja espanhol ou estrangeiro, quer se resida ou não em Espanha.
170 milhões de décimos - 170 séries com 100 mil números cada - foram este ano colocados à venda para o "El Gordo" do Natal, que representa quase metade do total de vendas de lotarias no ano todo.