É num português afrancesado por mais de três décadas a viver em Paris que Manuel Fernandes diz que votará na candidata que muitos classificam como "fascista". "Moi, je suis de Gauche, Esquerda, mas voto Le Pen", afirma o emigrante de Viana do Castelo, que chegou a França aos sete anos e que se assume como "um socialista".
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Na segunda volta das eleições presidenciais, quer deixar claro que não gostou da liderança do país nos últimos cinco anos e por essa razão votará "contra o Macron e em Marine Le Pen".
"Vais votar na extrema-direita", provoca-o Morad Belali, um imigrante argelino, com quem Manuel Fernandes partilhou a infância. A amizade mantém-se, até hoje, à mesa do café português "Le Lieutades". Mas na política "somos contra", diz o argelino. "Ele está pelo Macron", atira o português, provocando a reação imediata de Belali para o contradizer.
"Não, não sou Macron, mas também não sou Le Pen. Eu detesto a Le Pen", confessa, surpreendido que "até na Argélia haja partidos de extrema-direita, contra os chineses, que são muito fortes na construção civil".
"Nunca imaginei nada assim. Logo nós, os argelinos, que temos padecido tanto com a extrema-direita aqui em França. Até 1962, era-nos negada a nacionalidade a terceiras e quartas gerações, nascidas aqui", recorda, para justificar o sentimento que Marine Le Pen lhe provoca.
"Nós também temos uma extrema-direita em Portugal", conta Joaquim Telheiros, 82 anos, reformado da construção civil. Deixou Portugal em plena ditadura. Chegou em 1963, a uma França liderada por Charles de Gaulle. Há 40 anos que vota em França.
"França acabou por ter muita sorte", afirma, referindo-se ao fim da ocupação alemã. "Uma vez li um livro do Jacques Attali, um filósofo francês", antigo conselheiro de François Mitterrand, "que dizia que, sem os americanos, mas sobretudo os russos que combateram o nazismo, os nazis estavam em Paris pelo menos até 1975".
"Na semana passada, votei [Fabien] Roussel", o candidato do Partido Comunista Francês, "e este domingo vou votar Le Pen", confessa, reconhecendo tratar-se do "oposto de um para o outro". O seu voto é principalmente contra Macron, já que Joaquim considera que Marine Le Pen "não tem gente competente" na sua "entourage" "para governar o país".
1,7 milhões a residir
"Ela vem de um partido formado com muita gente da extrema-direita que veio do tempo da Argélia Francesa, gente com ideias bizarras, por isso a Le Pen não tem gente competente para governar o país", admite, classificando a candidata da União Nacional como uma "pessoa muito mais moderada do que o pai". Se fosse eleita, "nunca seria uma direita perigosa", afirma o emigrante de Loulé.
A certeza de que o voto contra Macron é o mais acertado resulta de um descontentamento pela forma como o atual presidente "massacrou os Coletes Amarelos"", afirma Manuel Fernandes, desenrolando uma lista em que inclui também "os preços dos combustíveis e da alimentação". "Isto tudo está mal e ele não faz nada", argumenta.
Fernando Monteiro, o proprietário do café, não podia discordar mais, afirmando que "em muitos dossiês difíceis" Macron não se saiu mal". Como exemplo aponta a gestão da pandemia. "Há trabalho feito na formação para os mais novos, não fez só coisas más como dizem", afirma, garantindo que se votasse em França "votava nele", pois "a Le Pen não tem peso para governar".
De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a população de portugueses e lusodescendentes a residir em França ronda os 1,7 milhões de pessoas.