A Hungria vai às urnas este domingo. As sondagens e o sistema eleitoral favorecem a reeleição do primeiro-ministro populista Viktor Órban, apesar do "casamento de conveniência" da oposição. Dois temas dominaram a campanha: primeiro, o referendo com que o regime pretende proibir as referências à homossexualidade nas escolas; depois, a guerra na Ucrânia.
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Órban está há 12 anos no cargo de primeiro-ministro. E tudo aponta para que vá somar outros quatro. Já não deverá, no entanto, conseguir o poder absoluto. De acordo com as sondagens mais recentes, o seu partido (Fidesz) deverá conseguir cerca de 50% dos votos, mas não repetirá uma maioria de dois terços no Parlamento, que lhe permitiu alterar a Constituição a seu bel-prazer. A coligação "Unidos pela Hungria", que junta os seis principais partidos da Oposição, segue com 44%.
Casamento de conveniência
Acresce que, segundo os especialistas, o sistema eleitoral húngaro dá uma ajuda aos nacionalistas. Com um modelo misto de círculos uninominais desenhados à medida dos interesses eleitorais do Fidesz (e através dos quais são escolhidos 106 deputados, por maioria simples) e um círculo nacional proporcional (93 deputados), não chega que a Oposição some mais votos. Terá de conquistar mais cinco pontos percentuais que os populistas para chegar a uma maioria no Parlamento e à chefia do Governo.
O candidato a primeiro-ministro pela Oposição é o autarca conservador Péter Márki-Zay, escolhido depois de um processo de primárias com vários candidatos e em que participaram os militantes dos partidos que se juntaram no que é, assumidamente, um "casamento de conveniência". O único traço de união entre a antiga extrema-direita (o Jobbik foi evoluindo para posições menos radicais, à medida que o Fidesz foi ocupando esse lugar), liberais (Momentum), verdes (LMP) e sociais-democratas (MSZP e DK) é a vontade de derrubar Viktor Órban.
Loucura de género
A eleição de hoje transformou-se, por isso, numa espécie de referendo ao primeiro-ministro nacionalista. E, portanto, num duplo referendo, uma vez que, também hoje, os húngaros são chamados a pronunciar-se sobre a chamada Lei de Proteção das Crianças. Uma iniciativa que a Europa já tinha criticado em tons bastante contundentes, pelo seu carácter homofóbico.
"É uma vergonha. Discrimina as pessoas com base na sua orientação sexual e vai contra os valores fundamentais da União Europeia", disse há uns meses a presidente da Comissão, a alemã Ursula von der Leyen. A resposta do primeiro-ministro húngaro foi transformar a proposta de lei em referendo e usá-la para mobilizar o eleitorado conservador.
"Temos que dizer claramente no domingo: a mãe é uma mulher, o pai é um homem - deixem os nossos filhos em paz", disse Viktor Órban numa das suas ações de campanha, acrescentando que é preciso acabar com a "loucura de género que varre o mundo ocidental". Resumindo, uma lei em que se proíbe, por exemplo, as referências à homossexualidade e à temática transgénero nas escolas.
Entre a guerra e a paz
Se a intenção inicial de Órban era que a campanha se centrasse na Lei de Proteção das Crianças; e se a Oposição pretendia, por seu lado, apostar na denúncia da corrupção e do autoritarismo; a guerra na Ucrânia trocou as voltas aos dois campos em confronto. Mas, também neste tema, o líder populista parece levar vantagem.
A sua mensagem centra-se numa ideia simples: Órban vai manter a Hungria fora da guerra, enquanto a Oposição arrastaria o país para guerra. A escolha deste domingo, diz, é entre "guerra e paz". E a sua campanha não hesitou em usar os meios do Estado para ampliar essa campanha, colocando cartazes por todo o país, financiados pelos contribuintes, com a foto do primeiro-ministro e a frase: "Vamos preservar a paz e a segurança da Hungria".
Representante do Senhor
Até o candidato a primeiro-ministro pela Oposição reconhece que a invasão da Ucrânia pela Rússia teve um efeito mobilizador para Órban. "No início", disse ele ao jornal online "Político", "percebemos que as pessoas querem segurança e esperam que Órban possa protegê-las". E tratou então de adaptar o seu discurso à nova realidade da guerra. Para insistir na ideia de que "só a NATO, e não Órban, pode proteger a Hungria".
A julgar pelas sondagens, a estratégia não está a ter o efeito desejado. Os húngaros parecem mais inclinados a manter a confiança no líder que já conhecem. Alguém que se vê a si próprio como uma espécie de representante de Deus na Terra. Atente-se na frase, atirada há dias por Viktor Órban durante uma entrevista na rádio: "Não sou responsável perante o Senhor pelo povo da Ucrânia, mas pelo povo da Hungria".