Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA, principal partido da oposição angolano, quer alternância de poder e prepara eleições do próximo ano.
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Eleito presidente da UNITA no congresso de novembro de 2019, Adalberto Costa Júnior, de 58 anos, está em périplo internacional para preparar as eleições gerais de Angola do próximo ano. Em entrevista ao JN, o principal líder da oposição a João Lourenço faz um balanço negativo da bandeira do atual presidente em matéria de combate à corrupção. Diz que há falta de democracia e continua a reafirmar que o país tem um modelo de partido único, cortando as liberdades de quem quer pluralidade.
Qual é o seu objetivo com a visita a Portugal?
Não me encontro numa visita especificamente a Portugal. A pandemia veio complicar-nos a vida no que diz respeito à mobilidade. Estive fora uma vez desde a minha eleição. Temos comunidades angolanas que devemos visitar, até porque tudo indica que vão, desta vez, participar nas eleições. Estou à procura da eficácia e procurar abordagens que congreguem e complementem a estabilidade e transparência dos atos em Angola. É neste âmbito que decidi visitar diversos países, entre os quais, Portugal. Estamos a lidar em Angola com um regime completamente partidário e nestas questões não deve haver ingenuidades.
Está já a trabalhar para as eleições de 2022. Qual será a sua mensagem para os angolanos?
Já estamos em pré-campanha. Quando abordou as eleições anteriores, a UNITA apresentou um programa eleitoral no qual estava incluído um programa de governação. Não vamos fazer uma mudança de 90 graus, mas vamos melhorar aqueles aspetos que já na altura entendíamos muito bons. Com eixos muito fortes que o Governo procurou implementar, e ainda bem, porque quando se está na oposição não se é para ser o próprio a interpretar...
Diga-me um exemplo.
Somos um país vasto com muitas oportunidades ligadas à terra. E é na agricultura que devemos encontrar respostas para a nossa população. Não é nesse espaço que temos estado a ver os investimentos substantivos. Cada dia que passa, as migrações internas continuam a ocorrer. Não foi só a guerra que as produziu. Estamos há 20 anos em paz, as grandes cidades continuam a crescer, Luanda mais do que qualquer outra, o litoral continua a ter a concentração substantiva das comunidades e o interior a ficar vazio. Os programas que têm sido criados têm falhado porque quem está neles pensa em servir-se a si próprio. É um dos problemas maiores em Angola, que é o incentivo à corrupção. Há uma inexistência da responsabilização. As pessoas "desviam" e não são chamadas à responsabilidade.
O presidente João Lourenço elegeu como missão do seu mandato o combate à corrupção. Acha que foi bem-sucedido?
Em 2017, quem quer que ganhasse as eleições ou abraçava o combate à corrupção como uma das suas prioridades ou não estaria a falar dos maiores problemas de Angola. O presidente João Lourenço abraçou alguns valores que todos nós aplaudimos, até porque, independentemente de quem ganhasse as eleições, estávamos a tratar do nosso país. A verdade é que as expectativas criadas no combate à corrupção - do fim da impunidade, das reformas anunciadas, de uma maior liberdade na Comunicação Social - são, após três anos, uma deceção completa. Regredimos sem limites naquilo que são referências de democracia e de liberdade.
Mas a democracia está em perigo?
Sim. Por exemplo, é um verdadeiro desastre a pluralidade na Comunicação Social. O presidente da UNITA nunca teve acesso a nenhum órgão de Comunicação Social público em todo o seu mandato, mas há noticiários inteiros a fazer o assassinato de personalidade do líder da oposição. O balanço do combate à corrupção não é o desejável. Hoje, temos um falhanço dos modelos económicos propostos. Angola tem um nível de desemprego gritante que atinge fundamentalmente a população mais jovem e que está a protestar por busca de oportunidades.
O país está mais pobre?
Infelizmente, há um crescimento extraordinário da pobreza no país. É gravíssimo. É verdade que estamos numa pandemia devido à covid-19, mas não pode justificar todos os males. A justificação da não realização de eleições autárquicas é porque há covid-19. Veja-se Cabo Verde, que, a meio de uma pandemia, faz três eleições.v
Há uma Justiça direcionada aos 'inimigos' do Governo
A Justiça portuguesa deveria entregar ao PGR angolano a lista dos ativos transferidos ilegalmente do país?
Sei que existe um acordo de cooperação e não temos nada contra. Mas somos defensores da aplicação universal da Justiça e não direcionada aos "inimigos", que é aquilo que se passa em Angola. Que não haja ativos transferidos para o Estado de uns e ativos escondidos de outros. Existe uma Justiça absolutamente direcionada. Que ninguém tenha alguma dúvida sobre esta matéria...
À família Eduardo dos Santos, por exemplo?
Àqueles que não alinham eventualmente dentro do MPLA com quem está a liderar. Existem aqueles que estão abraçados com a alta corrupção e o gabinete do presidente não faz nada. Não são alvo de nenhum processo. São até denunciados e não são alvo de nenhuma investigação. O repatriamento de capitais é absolutamente incontornável. Vivemos num país com múltiplos problemas de infraestruturas. Todas as áreas de âmbito social carecem de investimento e, acima de tudo, de financiamento à economia. O grosso dos empresários está falido, com a exceção dos governantes/empresários.
Como classifica o balanço do repatriamento de capitais para Angola?
O balanço do repatriamento de capitais é altamente negativo porque a proposta do MPLA é ineficaz. A nossa, que foi chumbada no Parlamento, ia muito mais longe, resultado de um estudo muito amplo dos países que viveram o mesmo tipo de situação. Com a proposta do MPLA, os ladrões são premiados. Isto é uma lavagem de dinheiro. Mesmo assim, não tem funcionado porque, apesar de aprovada a lei, não houve regulamentação até à última semana do período de graça. Isto denota uma intencionalidade dos procedimentos. Houve vários empresários que queriam repatriar capitais e que não sabiam como fazer. Depois do fim do período de graça, é aprovada uma lei punitiva que está a ser aplicada aos "escolhidos".
A UNITA foi atingida por essa política de que acusa o MPLA?
A direção da UNITA está há mais de um ano a ser perseguida pelos tribunais. Todos os meses, tomamos conhecimento de processos contra nós. Aparecem processos relativos a situações de há 20 anos, quando houve a reconciliação e uma amnistia. Eu próprio estou a ser alvo deste tipo de procedimentos, com a agravante de, em outubro do ano passado, nos terem confiscado as contas bancárias. E porquê? Dizem eles porque houve uma condenação em 2012... Estamos em 2021 e nunca fomos notificados.