"Ferida", "coração partido" e "sufocante": os relatos dos libertados palestinianos e israelitas
Após os primeiros quatro dias de acordo entre Israel e o Hamas resultarem na libertação de duas centenas de pessoas, histórias sobre a situação nas prisões israelitas e no cativeiro da organização islamita começam a surgir. Conheça alguns casos de ambos os lados.
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Israa Jaabis, de 38 anos, foi libertada por Israel no dia 25 de novembro, em conjunto com outras 38 pessoas. A palestiniana pôde reencontrar o filho que, no momento da detenção, em 2015, tinha oito anos.
Há oito anos, uma botija de gás que transportava durante uma mudança para Jerusalém explodiu próximo a um posto de controlo israelita. Um polícia de Israel, que ficou ferido no caso, impediu que Jaabis saísse do veículo, o que fez com que a palestiniana tivesse queimaduras de primeiro e terceiro grau em 60% do corpo, ficasse com o rosto desconfigurado, perdesse oito dedos das mãos e ficasse com dificuldades para respirar.
Apesar de afirmar que foi um acidente provocado por uma falha elétrica do carro, Jaabis foi condenada pela Justiça hebraica a 11 anos de prisão, em 2017, por tentativa de homicídio. A vida da mulher que realizava trabalhos voluntários em organizações de caridade e que se vestia de palhaço para entreter crianças em hospitais mudou completamente. A palestiniana exigiu às autoridades israelitas uma cirurgia plástica no nariz para conseguir respirar melhor, mas Israel rejeitou o pedido.
"Meninas na prisão viveram coisas difíceis de aguentar", lamentou a mulher de 38 anos, citada pelo canal catari Al Jazeera, após regressar à casa. Jaabis relatou que, com a escalada recente no conflito, mais prisioneiras começaram a ficar em celas solitárias e que, no primeiro dia, os israelitas atiraram gás lacrimogéneo aonde estavam – o que lhe provocou uma pneumonia, segundo a mesma.
"Tenho vergonha de falar em alegria quando toda a Palestina está ferida", acrescentou Jaabis. "Eles devem libertar todos", defendeu. Os primeiros quatro dias do acordo entre Israel e o Hamas previam a libertação de 150 palestinianos em troca de 50 reféns.
Além de mulheres, rapazes adolescentes foram libertados – muitos acusados por atirarem pedras e por "apoiarem o terrorismo". "Como palestiniano, o meu coração está partido pelos meus irmãos em Gaza, por isso não posso realmente celebrar”, declarou à agência Associated Press Abdulqader Khatib, trabalhador humanitário das Nações Unidas cujo filho Iyas, de 17 anos, está desde 2022 em "detenção administrativa", mesmo sem acusações ou julgamento e com base em evidências secretas. "Mas sou pai. E no fundo, estou muito feliz", acrescentou.
Refém com camisola de Cristiano Ronaldo
Um dos libertados pelo Hamas na segunda-feira foi Eitan Yahalomi, de 12 anos. O jovem franco-israelita, que vestia a camisola de Cristiano Ronaldo no Al Nassr, reencontrou a mãe Batsheva, que conseguiu escapar do sequestro no dia 7 de outubro. O pai Ohad Yahalomi, que ficou ferido após uma troca de tiros, está desaparecido, podendo ser um dos reféns que permaneceu.
"Eitan ama a natureza e os animais. Ele é um ávido jogador de futebol e caminhante", escreveu a avó Esther, citada pela agência France-Presse, ao presidente francês Emmanuel Macron. O jovem vivia no kibutz de Nir Oz e foi levado de mota para a Faixa de Gaza no dia do ataque do Hamas, a 7 de outubro.
Com a libertação de diversos israelitas, relatos de como era a situação no cativeiro começam a emergir. Ruthie Munder, que foi raptada com a filha Keren e o neto Ohad Munder-Zichri, de 9 anos, disse numa entrevista ao Canal 13, de Israel, que a situação piorou com o passar dos dias. A israelita libertada no dia 24 perdeu um filho devido à ação do grupo islamita.
Inicialmente, os reféns comiam "frango com arroz, todo tipo de alimentos em conserva e queijo", além de chá de manhã e de noite, enquanto as crianças recebiam doces. "Estávamos bem", destacou Ruthie. Com o tempo – e o cerco promovido por Israel a Gaza –, o cardápio mudou porque "a situação económica não estava boa" e "as pessoas estavam com fome". Testemunhos de outros libertados indicam uma alimentação baseada em pão e arroz.
A israelita confirmou o facto de os reféns dormirem em cadeiras de plástico. Ruthie, que usava um cobertor – algo que nem todos tinham –, descreveu que ficava num quarto "sufocante", onde os prisioneiros não tinham autorização para abrir as persianas. A refém dormia até tarde como forma de passar o tempo e viu rapazes ficarem a conversar durante a noite, enquanto algumas raparigas choravam.
A neta de Yaffa Adar afirmou que a avó perdeu peso durante os 50 dias que ficou em cativeiro – número de dias que a idosa de 85 anos contava. Yaffa foi levada do kibutz de Nir Oz para Gaza num carrinho de golfe naquele dia 7 de outubro e libertada também na sexta-feira. "O seu corpo e alma estão a tentar ajustar-se – ela foi forte e entenderá com o passar do tempo", frisou Adva Adar, em declarações reproduzidas pelo jornal "The Times of Israel".