Contra a expectativa dominante, a União Nacional foi superada pela coligação das esquerdas e pelo centro. A união republicana, a dinâmica do medo e a mobilização cívica sem precedentes ajudaram a impedir a chegada da extrema-direita ao poder. Mas o crescimento em dois anos foi estrondoso. E há ilações a tirar.
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Quando no domingo, dia 7, às 20 horas francesas, foram conhecidas as projeções da segunda volta das legislativas, o Pavillon Chesnaie du Roy, casa emprestada do Rassemblement National (União Nacional) na noite eleitoral, foi tomado por um silêncio desconcertante. Entre sorrisos amarelos e esboços de aplausos pouco ou nada convincentes, um mar de semblantes carregados. Houve até quem não tenha conseguido evitar levar a mão à boca, num incontido reflexo da surpresa. Nos locais onde se concentraram os partidos que se aliaram na Nouveau Front Populaire (Nova Frente Popular), o cenário foi o oposto. Assim que o gráfico da nova composição parlamentar ganhou vida, houve gritos esfuziantes, abraços em barda, lágrimas fartas, de alegria, de incredulidade, de alívio. O cenário estendeu-se à rua, onde uma multidão em êxtase se apoderou da Place de la Republique, em Paris, para celebrar a inesperada vitória da frente de esquerda e a queda da extrema-direita para o último lugar do pódio. A Nova Frente Popular, união de vários partidos, do centro-esquerda à esquerda radical, garantiu 182 lugares na Assembleia Nacional, seguindo-se o agrupamento centrista Ensemble (Juntos), que inclui o Renaissance (Renascimento) do presidente Emmanuel Macron, com 168 deputados, e só depois a União Nacional, de Jordan Bardella e Marine Le Pen, com 143.
O resultado apanhou muitos de surpresa, não só porque a primeira volta foi favorável ao partido de Le Pen (conquistou 33% dos votos, contra 28% da Nova Frente Popular e 20% do Ensemble), mas também porque todas as sondagens apontavam para a vitória da extrema-direita - nas últimas, divulgadas dias antes do sufrágio, a coligação de esquerda surgia já muito próxima do Rassemblement, mas não mais do que isso. Aliás, por diversas vezes, ao longo da campanha, Bardella e Le Pen apelaram à maioria absoluta. Daí que o terceiro lugar - em número de deputados - tenha suscitado uma espécie de “momento fúnebre”, como descreve à “NM” José Manuel Rosendo, correspondente da RTP e da Antena 1 em Paris, que acompanhou “in loco” a noite eleitoral da extrema-direita. Ainda assim, o crescimento foi esmagador. Há dois anos, o partido elegeu 88 deputados. Em 2017, tinham sido apenas oito. Já para não falar no número de votos - mais de dez milhões, só na segunda volta, bem acima da Nova Frente Popular e do Ensemble. Joana Ricarte, investigadora e professora da Universidade de Coimbra e coordenadora em Portugal do OppAttune, projeto europeu que visa desenvolver estratégias para combater os extremismos, assinala isso mesmo. “A primeira lição a tirar é que a extrema-direita não saiu derrotada, pelo contrário. O número de deputados aumentou exponencialmente e já ocupam um quarto da Assembleia Nacional [o Parlamento francês é composto por 577 assentos].”