Presidente Emmanuel Macron reconhece corresponsabilidade do país no genocídio ruandês de 1994, em que morreram 800 mil pessoas. Alemanha parece ser exemplo a seguir na sua relação com a Namíbia: vai pagar 1,1 mil milhões de euros em reparações.
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Foi um passo importante: Emmanuel Macron, presidente francês desde 2017, anunciou finalmente a nomeação de um embaixador para o Ruanda, país da África oriental com 12 milhões de habitantes e que mantinha aquele cargo vago desde 2015.
"A normalização das nossas relações não pode ser feita sem esta medida", disse Macron em Kigali, capital do Ruanda, na presença do seu homólogo ruandês, Paul Kagame.
França estava há seis anos apenas representada por um encarregado de negócios no Ruanda e os dois países viviam com as suas relações diplomáticas em estado de congelação.
A tensão entre franceses e ruandeses já vem muito de trás e tem origem histórica no "genocídio tutsi", o comprovado massacre de 800 mil pessoas de população das etnias tutsi e twa, além de muitos hutus moderados, que ocorreu entre abril e maio de 1994, durante a guerra civil do Ruanda.
França reconhece agora a sua responsabilidade naquele genocídio, uma vez que o país, na altura presidido pelo histórico François Mitterrand, e sucedido por Jacques Chirac um ano depois, apoiou o governo hutu, responsável pela chacina.
"Reconhecer o que fizemos de mal"
Emmanuel Macron parece estar à procura de uma espécie de "reset" africano, ou reinício, com uma nova visão da história conturbada da França no continente negro que passa pelo autoexame.
Em Kigali, Macron pediu perdão e falou sobre "a terrível responsabilidade" do seu país, que permaneceu por muito tempo ao lado de um regime genocida.
Esta mudança de tom diplomático é baseada nas descobertas de um recente relatório francês feito por historiadores e arquivistas que tiveram acesso sem precedentes aos principais arquivos do estado. Embora não seja, ainda, um pedido oficial de desculpas, as palavras do presidente terão sido suficientes para satisfazer Paul Kagame, que está no poder no Ruanda há 27 anos e é um dos líderes mais influentes no continente.
O exame honesto da história colonial francesa em África, e a concreta corresponsabilidade no Ruanda, são fundamentais para esta nova estratégia francesa, dizem analistas.
"É verdade que a França tem uma história complexa em África", disse por sua vez Hervé Berville, um parlamentar francês que acompanhou Macron ao Ruanda na semana passada. "Às vezes é uma história de felicidade, de família e de ricos intercâmbios culturais, mas noutros casos é uma história mais complexa, mais profunda e mais pesada também. E temos que reconhecer os nossos erros e aquilo que fizemos de mal. Isto não é autoflagelação, é simplesmente sermos honestos connosco mesmos e com os outros que viveram as consequências das nossas ações", esclareceu.
Alemães pedem perdão e dão 1,1 mil milhões à Namíbia
Em África, aponta uma análise do jornal inglês "The Guardian", Emmanuel Macron não está sozinho nesta tentativa de "reset africano". Na semana passada, a Alemanha concordou em pagar à Namíbia, país que colonizou entre 1884 e 1915, uma verba de 1,1 mil milhões de euros, a entregar durante os próximos 30 anos em diversos programas de apoio.
É um reconhecimento oficial do assassinato de dezenas de milhares de namibianos das comunidades herero e nama pelos colonos alemães na primeira década do século XX, concretamente entre 1904 e 1908 - em 12 de janeiro de 1904 deu-se a primeira revolta dos herero contra o domínio alemão, seguindo-se em outubro a revolta da população nama.
Estima-se, então, que os soldados do imperador Guilherme II, da Alemanha, tenham exterminado 65 mil hereros, de uma população de 80 mil, e pelo menos metade dos 20 mil namibianos da etnia nama. Este é historicamente considerado o primeiro genocídio do século XX.
O acordo entre os dois países para o pagamento dos 1,1 mil milhões de euros deve agora ser assinado na capital da Namíbia, Windhoek, durante o mês de junho, e depois será ratificado pelos parlamentos da Alemanha e da Namíbia. O presidente alemão Frank-Walter Steinmeier deverá mesmo deslocar-se à Namíbia para se desculpar oficialmente.
Britânicos também tentam
Também a Grã-Bretanha tenta invocar a sua história imperial através da Commonwealth, comunidade de nações com 53 países membros que foram colonizados pelo império britânico, numa crença que muitos historiadores dizem ser demasiado otimista, de que os líderes e cidadãos dessas ex-colónias se lembrem com carinho de décadas de domínio e exploração.
Até agora, a tentativa parece ter tido pouco sucesso. Os primeiros esforços para, por exemplo, devolver o Zimbábue à Commonwealth, de onde saiu em 2003, fracassaram e o governo da problemática ex-colónia dá até sinais contrários, de que é bom exemplo a inauguração recente de uma estátua na capital Harare do líder espiritual zimbabuano Mbuya Nehanda, personalidade muito querida no país por ter historicamente resistido à subjugação por parte de Cecil Rhodes, um magnata mineiro e político inglês que é considerado o epítome do colonizador.
Não mudam os interesses, mas muda o modo
"Ao reconhecer os erros do nosso passado, podemos preparar melhor o nosso futuro em África", resumiu Hervé Berville, o parlamentar francês cuja origem é bastante célebre: Berville é um órfão tutsi nascido no Ruanda em 1990 e que evacuado do seu país pelo exército francês quando tinha quatro anos de idade, justamente quando eclodiram as perseguições e matança dos tutsis.
A França investigou também outras atrocidades cometidas pela sua polícia, tropas e autoridades na Argélia durante o período colonial e na sangrenta guerra de independência, que durou de 1954 a 1962.
O conflito provocou a morte de mais de 300 mil argelinos, 27 mil soldados da França e o êxodo de quase um milhão de colonos franceses da Argélia. O fim da guerra viria a trazer a independência do país, que vivia com a presença abusiva de franceses desde 1830.
"Há algumas pequenas mudanças na posição francesa relativamente a África e isso é animador", comentou Mohamed Diatta, um relevante cientista político africano. "O princípio orientador da França é a proteção dos seus próprios interesses, e isso não vai mudar, mas a maneira como eles fazem as coisas, essa, sim, pode mudar ", disse Diatta.
Mas o reconhecimento não pode ser genérico, concordam outros analistas. A questão central não é o arrependimento nem as desculpas, mas sim um reconhecimento jurídico, político e até filosófico, que traga uma verdadeira reparação sobre a barbárie cometida pela França sobre a Argélia.