Não falta capacidade técnica, mas "vontade política", diz especialista da FAO. Programa Alimentar apela a contribuição de bilionários.
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Avançamos para 2022 com 155 milhões de pessoas a passarem fome, mais 20 milhões do que em 2019. Francisco Sarmento, especialista da FAO, a agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, acredita que no ano que se avizinha os impactos da covid-19 deverão atingir ainda mais "grupos em situação de vulnerabilidade", aumentando as dificuldades. Ao mesmo tempo, porém, as fortunas dos mais ricos continuam a aumentar (ler texto ao lado), cavando um fosso gigantesco entre pobres e ricos.
A fome, acredita Francisco Sarmento, "é um problema político, não é um problema de capacidade técnica". E é preciso que haja "vontade política determinante, para acabar com ela". O especialista defende que é preciso atuar em várias frentes: apoiar quem produz alimentos, desenvolver a proteção social para ajudar os mais vulneráveis a ultrapassar as situações sem criar vínculos de dependência, aumentar a conjugação de esforços dos estados com as agências internacionais das Nações Unidas, disponibilizando mais recursos financeiros. Contudo, "nas últimas décadas, tem-se verificado uma diminuição do compromisso dos países com este grande objetivo", lamenta. Já poucos acreditam que seja possível acabar com a fome em 2030, uma meta delineada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
"Temo a vulgarização das questões da subnutrição, da fome e da pobreza"
Quem pode, deve ajudar
Este ano, Elon Musk ofereceu 5,1 mil milhões de euros da sua fortuna para acabar com o problema. Mediatismo à parte, o especialista da FAO sublinha o "valor simbólico" do "desafio" e a "resposta pronta" das agências das Nações Unidas, que apresentaram um plano. Aguarda-se agora o prometido financiamento. Em resposta ao JN, o Programa Alimentar Mundial (PAM) disse acreditar que "só é justo se todos os que têm meios e capacidades fizerem a sua parte em momentos de necessidade". Foi por isso que o diretor do programa lançou um "apelo aos bilionários" de todo o Mundo, para que apoiem os esforços de "salvar aquelas pessoas que correm o risco imediato de morrer de fome. Isso não pode esperar e precisamos de todo o apoio que pudermos obter para salvar essas vidas - de governos, doadores privados ou bilionários".
"Os conflitos, as mudanças climáticas e as consequências económicas da covid-19 continuam a levar a fome a níveis recorde", avisa o PAM, que estima que "45 milhões de pessoas estão atualmente à beira de morrer de fome em 43 países". Ao mesmo tempo, os custos de se chegar às pessoas necessitadas estão a aumentar, devido à "tensão nas cadeias de abastecimento globais", que fizeram disparar os preços dos alimentos e dos combustíveis.
O PAM diz que "há esperança". Este ano realizou a "maior operação da história dos programas de alimentação, atingindo 139 milhões de pessoas" e tem procurado aumentar a "resiliência e a autossuficiência" dos mais pobres. "O que precisamos é de financiamento e acesso suficientes".
As respostas que as agências das Nações Unidas providenciam são diversas. Segundo explica Paulo de Lima, do escritório de ligação da FAO em Bruxelas, "em função da causa da fome, trabalham-se questões diferentes. Por exemplo, se há países mais suscetíveis a crises alimentares devido a mudanças climáticas, a FAO trabalha, em parceria com outras agências, em formas de restabelecer os meios de subsistência das populações, com ações que podem incluir, nomeadamente, a doação de sementes mais resistentes à seca".
Se a temperatura média global subir 2°C em relação aos níveis pré-industriais, "espera-se que mais 189 milhões de pessoas morram de fome", alerta o PAM. Secas e inundações destruirão os meios de subsistência e, conjugados com outras dificuldades, irão exacerbar os conflitos.
Riqueza
Fortunas continuam a aumentar
De acordo com a revista Forbes, os 2600 bilionários de todo o Mundo aumentaram este ano as fortunas em cerca de 1,4 biliões de euros. No topo está Jeff Bezos (Amazon), seguido de Elon Musk (Tesla e SpaceX), Bernard Arnault (LVMH), Bill Gates (Microsoft) e Mark Zuckerberg (Facebook). Segundo o Relatório Global da Riqueza de 2020, publicado pelo Crédit Suisse, Portugal tem 136 430 milionários, quase mais 20 mil do que no ano anterior. A nível global, 20% da riqueza está nas mãos de 1% das pessoas e metade da população tem 6,5% da riqueza. A pandemia agravou o abismo entre ricos e pobres.