A coordenadora da organização não-governamental Milhas Pela Vida das Mulheres considerou à Lusa existir um entendimento político em época de eleições de que não se deve tocar no tema aborto para não perderem votos.
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Nenhum dos candidatos à presidência do Brasil, cujas eleições se realizam no domingo, da esquerda à direita, das mulheres aos homens, defendem a despenalização do aborto no gigante sul-americano, evitando mesmo tocar no assunto.
"A gente não viu nos próprios movimentos brasileiros a vontade de quebrar esse armário", afirmou à Lusa cineasta e coordenadora do Milhas Pela Vida das Mulheres, Juliana Reis, um projeto que ajuda brasileiras que queiram abortar, encaminhando-as para os países como Argentina, Colômbia, ou México, onde existe uma maior flexibilização na legislação.
"O milhas quando surgiu chegou a apanhar muito inclusive de feministas históricas, inclusive de mulheres que estavam na ponta do movimento, dizendo que o que isso iria fazer era provocar esse conservadorismo", recordou.
No Brasil, o aborto só é atualmente permitido em casos de risco para a mãe, violação ou fetos com anencefalia.
De acordo com uma sondagem realizada em maio pelo instituto Datafolha, 32% da população concorda com a total restrição da interrupção da gravidez no país, quatro em cada 10 brasileiros acredita que a lei não deve sofrer alterações, 18% acredita que o aborto deve ser permitido em mais situações e apenas 8% defende que o aborto deve ser permitido em qualquer situação.
A diferença entre a opinião de homens e mulheres é praticamente residual: 31% do público masculino e 33% das mulheres afirmam que o aborto deve ser proibido em qualquer caso.
Apesar disso, a coordenadora do projeto que em média é procurado por 300, a 350 mulheres, por mês, que pedem ajuda, e que é financiando apenas por pessoas físicas, acredita que "a descriminalização do aborto no Brasil vai acontecer".
"Vai acontecer através do constitucional, do judiciário. Porque a gente não tem legislativo no Brasil. A gente tem uma câmara legislativa totalmente arruinada pela milícia, bíblia, a bala, o boi", disse, referindo-se às bancadas mais conservadoras do Congresso brasileiro.
Juliana Reis acredita que com o possível próximo Governo de Lula da Silva a flexibilização do aborto pode ser uma realidade, com a entrada de novos juízes no Supremo Tribunal Federal.
Estas questões não avançaram antes, critica, devido ao que chama de "Arroto histórico", uma alusão ao Governo de Jair Bolsonaro.
"Domingo está aí, janeiro está aí e a gente retoma uma trajetória de civilização", apostou.
Em junho, surgiu uma controvérsia no país depois de uma juíza ter impedido uma vítima de violação de 11 anos de fazer um aborto, embora estivesse protegida por lei.
A juíza também ordenou que a rapariga fosse colocada num lar de acolhimento para a impedir de fazer um aborto, embora no final, após pressão do Ministério Público, ela tenha conseguido interromper a sua gravidez.
Estes casos não são incomuns, defendeu a ativista, explicando que grande parte do trabalho da ONG é ajudar as brasileiras a acederam ao aborto nos casos permitidos por lei no país.
"No Brasil a gente também vai encaminhar as mulheres que sejam vítimas de violência sexual, que têm diagnóstico de má formação incompatíveis com a vida e em casos em que a saúde da mulher esteja ameaçada", detalhou.
No entanto, devido ao facto de a sociedade brasileira ser conservadora, com movimentos religiosos importantes, existe pressão até para impedir que mulheres façam aborto no Brasil nos casos permitidos por lei.
"Existem hospitais públicos no Brasil com um ativo de violência sexual de acolhimento de mulheres e que falseiam ultrassom, que impedem a mulher com mentiras para acederem ao aborto", denunciou.
"Basta um médico, ou uma rececionista na portaria do hospital que vê uma mulher e que eventualmente vai mentir", disse.