Milhares de londrinos juntaram-se em redor do Palácio de Buckingham para prestar tributo à "rainha eterna", numa sintonia que atravessou gerações. Flores foram cartas de amor e admiração.
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Grace, 12 anos, estava no autocarro. Era quase uma da tarde quando passou ao lado do Hyde Park, no centro de Londres, de onde àquela hora começavam a ser disparadas 96 petrificantes salvas de tiros, uma por cada ano de vida da mulher que, ao longo de décadas, construiu o mais duradouro reinado da história do Reino Unido e um dos mais longos do Mundo.
Grace ia com a mãe no 148 rumo ao sul da capital e foi testemunha da desconcertante comunhão entre passageiros de latitudes várias - uns fotografando, outros filmando, alguns lacrimejando - unidos pelo mesmo enternecimento coletivo de quem assiste ao que amanhã será História. Grace levava nas mãos um ramo com flores roxas. Disse que eram uma oferenda para a rainha. Não escondeu a comoção ao explicar que escolhera a cor preferida da "rainha eterna".
"A rainha tem sido uma constante durante muitos anos. Acho que representa a Inglaterra e que deve ser honrada e celebrada. A geração mais nova também respeita a rainha. É um ícone"
A menina de nome gracioso a combinar com os olhos azuis seguia para o Palácio de Buckingham, em Westminster, que nas últimas horas foi albergue de um sentimento comum de esperada mas irreparável perda. Um tipo de perda que só irmãos, primos, filhos e amigos fatalmente partilham em catarse. Como se Isabel II tivesse sido uma mãe ou uma avó para todos os milhares de pessoas que, em passo de procissão, se abeiravam ontem do palácio da rainha - agora do rei -, deixando os caminhos até lá quase intransitáveis e os muros e grades camuflados de flores e dedicatórias, que são - tanto as pétalas como as palavras - cartas de amor àquela que foi a guardiã da nação.
"vamos sentir saudades dela"
"Fez muito por todos nós. É incrível que haja tanta gente a celebrá-la e que todos a respeitem e sintam tanta gratidão. Vamos ter muitas saudades dela. O Mundo está em dívida para com ela. Foi uma dádiva incrível para o Mundo e para o Reino Unido", disse a menina, tenro exemplo do patriotismo britânico, antes de pousar o seu ramo junto aos que já lá moravam.
"Viemos prestar tributo a esta notável mulher que nunca será substituída. O que vemos aqui hoje prova o quão extraordinária ela é. Creio que estará junto ao marido, como queria"
Nem todos a respeitarão, como defendeu, e nem todos lhe serão gratos ou lhe terão saudade - ninguém rege sem falhas, sem erros e sem manchas - mas, para o bem e para o mal, foi e será uma incontornável figura da vida de um país e de um Mundo em constante mudança. Uma rainha que viveu de braço dado com a História enquanto a escrevia também. Uma mulher que ainda se escrevia a si própria quando foi lançada para o trono, só com 25 anos. E que, na sua despedida, soube unir gerações, origens e estratos sociais diferentes. "É a pedra sobre a qual a Grã-Bretanha moderna foi construída", disse a recém-indigitada primeira-ministra britânica, Liz Truss.
admiração de gerações
Michael, de 28 anos, um dos tantos jovens que mostraram que a admiração pela monarca é transgeracional, não hesita em dizer que Isabel II foi o pilar do país desde 1952. Não vive em Londres, mas sentiu que devia cá vir para prestar o tributo que julga ser-lhe devido.
"Estava a ver a BBC quando anunciaram que a rainha tinha morrido. Na altura, não tive noção de que me ia abalar. Foi o suporte da nação desde 1952"
Gloria, 76 anos, e Roland, 80, descrevem-na mesmo como "o mais notável, carinhoso e dedicado ser humano de sempre", cuja partida, na quinta-feira, lhes beliscou a felicidade com que tinham sido brindados momentos antes nesse dia, ao saberem do nascimento de uma bisneta, que agora esperam chamar-se Isabel, em tributo à rainha "insubstituível". A generosa dedicatória do casal foi escrita num postal que deixaram junto ao portão principal que dá acesso ao palácio, sobre ramos de camélias e rosas.
Lá perto, uma senhora prostrada no chão, muito consternada, ocupada a viver intensamente a dor que sentia, chorava com fulgor, sem parar, como se todas as flores do Mundo tivessem sido arrancadas dos jardins. Não foram, nunca poderiam ter sido. Mas, naquele momento, olhando para as grades e muros do palácio e para cada árvore do parque em seu redor, parecia mesmo que sim. Parecia mesmo que o país tinha caído aos pés desta rainha Isabel, que não é santa, dizendo-lhe "São rosas, senhora".