Aurelia Brouwers tinha 29 anos quando ingeriu veneno ministrado por um médico. Encontrou finalmente um remédio, fatal, para 17 anos de sofrimento com problemas psiquiátricos.
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"Tenho 29 anos e inscrevi-me de livre vontade para a eutanásia. Escolhi morrer porque tenho muitos problemas de saúde mental. Sofro de forma insuportável e não tenho esperança", ouve-se numa gravação feita poucos dias antes de morrer, a 26 de janeiro.
Às 14 horas desse dia frio do fim do primeiro mês do ano, Aurelia despediu-se de 17 anos de sofrimento. "Quando tinha 12 anos sofri de depressão", disse, em declarações ao canal holandês RTL, que acompanhou os últimos 15 dias de vida daquela jovem holandesa para uma reportagem sobre a eutanásia.
"Quando me diagnosticaram a depressão pela primeira vez, disseram-me também que tinha transtorno de personalidade", recordou. "A isso se seguiram outros diagnósticos: transtorno afetivo, depressão crónica, tendências suicidas crónicas. Sofro de ansiedade e ouço vozes", acrescentou.
Este quadro, relatado na reportagem, não convenceu os médicos que a acompanhavam a validar a eutanásia. Perante a recusa, Aurelia recorreu ao último sítio em poderia ter alguma esperança de pôr termo à vida, a Levenseindekliniek, em Haia, no norte da Holanda. Conhecida como a clínica do "fim da vida", é o último recurso para aqueles a quem os médicos de família recusam o pedido de eutanásia.
"Aurelia Brouwers é uma mulher jovem e isso faz com que seja mais difícil tomar a decisão, porque nesses casos perde-se muita da vida que teria pela frente", disse Kit Vanmechelen, psiquiatra que avalia os pedidos de eutanásia na Levenseindekliniek.
Embora não tenha participado diretamente na eutanásia de Aurelia, percebe bem a diferença entre estes casos e os de doença terminal, em que a morte é apenas uma inevitabilidade dolorosa que virá com o tempo. "Os pacientes psiquiátricos são mais jovens que os pacientes físicos", explicou Kit Vanmechelen.
Psiquiatra admite que é impossível ter 100% de certezas
A morte de Aurelia destapou o véu da polémica sobre a eutanásia. Sendo uma doentes psiquiátrica, teria a clareza necessária que advoga a lei holandesa para decidir, em consciência, sobre a própria morte?
"Nunca poderemos estar 100% certos disso", reconheceu Kit Vanmechelen. "No caso dos distúrbios de personalidade o desejo de morrer é muito comum. Mas se o paciente está consciente e fez vários tratamentos para o problema, então, essa vontade é tão válida como a de um paciente com cancro que não continuar a viver", acrescentou a psiquiatra.
O psiquiatra Frank Koerselman, um dos maiores críticos holandeses à eutanásia em caso de doença mental, não se convence com as explicações de Kit Vanmechelen. "É possível os médicos não ficarem contagiados com a falta de esperança dos doentes", disse.
"Os doentes perdem a esperança, mas os médicos podem permanecer junto deles e ajudá-los a seguir em frente de outra maneira. E podem dizer-lhes que nunca se renderão", disse Koerselman em colisão com Kit Vanmechelen.
Em 2017, 6585 pessoas foram ajudadas a morrer na Holanda
A psiquiatra da "clínica do fim de vida" diz que as pessoas que solicitam a eutanásia devido a problemas psiquiátricos acabarão por se suicidar se não tiverem ajuda. "É nestes casos que me sinto feliz por ter uma lei que me permite tratá-los como doentes em fase terminal", argumenta.
Kperselman vê a morte de outro ângulo. "Durante toda a minha carreira trabalhei com pacientes suicidas e nenhum deles era terminal. Claro que houve pacientes que se suicidaram, mas foram sempre casos em que não o esperava", contrapôs.
A eutanásia é permitida na Holanda nos casos em que médico considere que o sofrimento de um paciente "é insuportável em sem perspetivas de melhorar" e caso "não haja alternativa razoável na situação do doente". Critérios mais fáceis de aplicar nos casos dos doentes com cancro em fase terminal ou uma enfermidade sem cura e causadora de dores extremas.
Das 6585 mortes por eutanásia na Holanda, em 2017, 83 foram submetidas a esta prática por razões de sofrimento psiquiátrico. Eram pessoas como Aurelia, cuja condição não era de doença terminal, mas que provocava um grande sofrimento e sem possibilidade de melhorar.