Português em Inglaterra alega só ter descoberto contumácia este ano. Está há meses a tentar renovar o Cartão de Cidadão caducado para legalizar-se no país e dar solução a problema que se arrasta há meses, quando perdeu o emprego.
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Tiago Saianda, a viver desde 2015 na cidade inglesa de Peterborough, está desempregado e em situação ilegal há vários meses por causa de uma contumácia que o impede de renovar o Cartão de Cidadão (CC), de que precisa para residir e trabalhar legalmente no país. Para resolver a situação, o ex-militar da GNR tem de se deslocar ao tribunal português que a iniciou, mas, para viajar, precisa de documento de identificação válido. Sem trabalho, tem contado com as ajudas de familiares portugueses e tentado arranjar forma de vir a Portugal. Até porque só resolvendo a contumácia pode dar nacionalidade portuguesa aos dois filhos pequenos.
Um cidadão está contumaz quando, após convocação, não comparece deliberadamente a um julgamento.
Esta pescadinha de rabo na boca foi relatada ao JN pelo português, que garantiu só ter tomado conhecimento da sua condição a 3 de julho, na sessão agendada com o Consulado em Londres para renovação do cartão. "Quando lá cheguei, disseram-me que estava contumaz, que não me poderiam renovar documentos, e que teria de ligar para o tribunal, para que o estatuto me fosse retirado", contou Tiago, que diz nunca ter sido informado corretamente sobre o motivo da contumácia, o tribunal a que teria de recorrer, ou uma forma de apurar essas informações que não implicasse sair do país.
Deram-lhe processo errado
No Consulado, pediram-lhe que aguardasse o contacto de uma funcionária responsável pela área (que nunca terá acontecido) e que contactasse entretanto o Tribunal de Viseu. Foi-lhe dado o suposto número do processo, mas, após contacto de Tiago, o tribunal negou a existência do mesmo. Setenta dias passados desde a sessão em que lhe tinham sido prometidas mais informações, e depois do envio de três e-mails a solicitar apoio, chegou uma resposta do Consulado. Embora, diz Tiago, "completamente inútil": mais uma vez, foi-lhe pedido que resolvesse a situação junto do tribunal e que contactasse os serviços consulares quando a contumácia tivesse sido levantada.
Sozinho, acabou por encontrar um site onde pôde simplesmente requerer uma certidão de contumácia por e-mail e foi assim que descobriu que o tal processo estava, não em Viseu, mas sim no Tribunal de Cascais, referente a uma altura em que o ex-GNR prestava serviço em Alcabideche.
Questionado pelo JN, o Ministério da Justiça diz não dispor de informação sobre o número de cidadãos portugueses declarados contumazes que, atualmente, se encontram no estrangeiro.
Aguarda por viagem única
Contactado pelo JN, o gabinete de imprensa da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas disse que, quando o cidadão foi informado da impossibilidade de renovar o Cartão de Cidadão, "foi também corretamente informado do procedimento que deveria seguir". "Pode sair do Reino Unido sem cartão de cidadão ou passaporte, basta para o efeito que lhe seja emitido um Título de Viagem Única (TVU), documento de viagem de emergência, emitido a pessoas de nacionalidade portuguesa que se encontrem indocumentadas no estrangeiro, que permite realizar apenas a viagem de ida para Portugal", acrescentou.
Mas Tiago garante nunca ter sido informado acerca dessa ou outra alternativa durante os vários meses em que tentou contactar o Consulado. Só depois do pedido de esclarecimento do JN é que os serviços consulares contactaram o português, cinco meses depois da sessão em Londres, mostrando-se disponíveis para a emissão do título em causa. Aguarda agora nova sessão em Londres.
Documentos não entregues na base do processo
A contumácia deve-se ao não comparecimento a uma audiência para a qual fora notificado em 2015 por causa de um crime de desobediência relativo à alegada recusa em entregar à GNR de Vouzela (sua área da residência) documentos pertencentes à Guarda, depois de ter saído da força de segurança. Embora o tribunal tenha notificado o cidadão para a última morada conhecida, Tiago, que já tinha emigrado nessa altura, diz que nunca soube de nada. "Nunca fui notificado de que existiria um processo criminal ou de que eu teria que ir a tribunal. E o meu pai também não recebeu nada em meu nome", garante Tiago, que assegura ter deixado claro à GNR do seu concelho que os documentos em causa tinham sido perdidos num acidente de viação que, três anos antes, lhe provocara mazelas permanentes e atirara para a sucata o carro em que seguia e onde estavam os autos de contraordenação, cartões e certificados. "Eles disseram que iam ter de informar a GNR de Alcabideche de que eu não tinha documentos para devolver. E ficou assim. Provavelmente, na altura, em vez de terem dito que eu não tinha os documentos na minha posse e que se tinham extraviado, devem ter dito que eu simplesmente não os entreguei. E penso que o Comando de Lisboa terá iniciado um processo por desobediência, porque eu era obrigado a entregá-los", admite Tiago.
Questionada pelo JN, a Guarda respondeu que, em fevereiro de 2015, "o ex-militar foi presencialmente notificado para entregar toda a documentação relacionada com a sua condição de militar da GNR". "Nas notificações em causa, as quais foram devidamente assinadas pelo cidadão em causa, não consta qualquer referência ou anotação sobre a perda ou extravio de qualquer documento", lê-se.