Liberdade, dólar e armas. Os trunfos de Milei para fazer da Argentina uma potência
Com 55,7% dos votos, Javier Milei foi eleito presidente da Argentina. O economista de extrema-direita promete romper com o "modelo empobrecedor" para reconstruir um país mergulhado numa grave crise. A introdução do dólar dos EUA e a liberalização do porte de armas são algumas das propostas que quer cumprir até 2027.
Corpo do artigo
Javier Milei (Direita), que assume funções como chefe de Estado no próximo dia 10 de dezembro, derrotou Sérgio Massa (Esquerda) e prepara-se para assumir uma política disruptiva. “Termina uma forma de fazer política e começa outra”, assegurou, este domingo, em Buenos Aires. Durante o discurso da vitória, o líder do partido A Liberdade Avança comprometeu-se a colocar um ponto final no "modelo empobrecedor de castas", de modo a adotar um "modelo de liberdade" que permita à Argentina ser "novamente uma potência mundial".
Para cumprir os objetivos a que se compromete, Milei terá de gerir uma grave crise alimentada pela inflação galopante, o que resultou em altos níveis de pobreza e numa dívida ao Fundo Monetário Internacional. Apesar de reconhecer que a realidade argentina é "trágica", o vencedor da segunda volta das eleições presidenciais já começou a colocar em cima da mesa alguns dos trunfos que vai usar para recompor a conjuntura da nação da América Latina.
O presidente eleito propõe reduzir a influência do Estado ao mínimo, mostrando-se confiante de que só "um mercado livre" poderá resolver os problemas económicos e financeiros. Milei pretende adotar uma "reforma abrangente" para transformar a Argentina no "país próspero" que era no início do século XVIII, sendo que uma das principais medidas deverá passar por abolir o Banco Central. O "Estado paternalista", acredita o ultraliberal, tem sido "a causa de todos os problemas" e por isso propõe reduzi-lo ao mínimo. Para o futuro, espera-se ainda a redução do número de ministérios do Executivo para oito, a eliminação dos planos de assistência social, o corte de fundos de pensão e a introdução do dólar dos EUA como moeda nacional para combater a inflação, atualmente situada em 143%.
Dois dos ministérios que Milei prometeu fechar são os da Educação e da Saúde, que, juntamente com os do Desenvolvimento Social e do Trabalho, serão fundidos em apenas um, numa pasta que será designada de "Capital Humano", de acordo com o que está definindo no plano eleitoral. Milei propôs criar um "sistema de vouchers" e entregar o orçamento da educação aos encarregados "em vez de o ceder ao ministério" encarregue. Nesta área, também se compromete a eliminar a obrigatoriedade da educação sexual.
Na saúde, Milei ambiciona avançar para um sistema de planos de saúde, ou seja, o Estado deixa de subsidiar os hospitais e passa a financiar diretamente os cidadãos. Tendo em conta que o partido defende a proteção da criança "desde a conceção", espera-se ainda a adoção de uma lei que traga de volta a penalização da interrupção voluntária da gravidez, que é permitida no país desde 2020.
No âmbito securitário, algumas medidas almejadas por Milei também têm causado polémica. O ultraliberal tenciona estudar a redução da maioridade penal, proibir a entrada no país de estrangeiros com antecedentes criminais, promover a disseminação de armas pessoais e criar uma espécie de bolsa de órgãos humanos. Além disso, pretende equipar, treinar e fornecer tecnologia às forças de segurança para lhes devolver "autoridade profissional e moral", de modo a que possam ter "tolerância zero" com o crime.
A nível de política externa, Milei é alinhado com os EUA, Israel e o "mundo livre", admitindo, durante a campanha eleitoral, que irá romper as relações com o Brasil e a China - os dois principais parceiros comerciais da Argentina. Antes da ida às urnas, Milei destacou que o Mercosul "está preso" e, como tal, rejeitou totalmente a entrada do Estado que vai liderar no Brics.
Recentemente, Milei também enfureceu milhões de argentinos ao questionar o consenso de quatro décadas sobre os crimes da ditadura de 1976-83, durante a qual cerca de 30 mil pessoas foram mortas pelo regime militar. O vencedor eleitoral e a sua futura vice-presidente, Victoria Villarruel, têm vindo a questionar muitos dos acordos alcançados na transição democrática, sendo que ambos negam o terrorismo de Estado, que foi reconhecido pelos tribunais.
Trump e Bolsonaro felicitam vencedor
Nas redes sociais, políticos de diferentes alas e países reagiram à vitória de Javier Milei na segunda volta das presidenciais argentinas.
Numa altura em que luta por voltar à Casa Branca, Donald Trump, ex-presidente dos EUA, usou a rede Truth Social para felicitar o recém-eleito - muitas vezes comparado com o magnata norte-americano. “Parabéns a Javier Milei pela excelente candidatura à presidência da Argentina. O mundo inteiro assistiu! Estou muito orgulhoso de si. Mudará o país e tornará a Argentina grande novamente", escreveu.
Entre os políticos que estão longe da ribalta, também Jair Bolsonaro, antigo presidente do Brasil, parabenizou Milei. "A esperança volta a brilhar na América do Sul. Que esses bons ventos alcancem os Estados Unidos e o Brasil para que a honestidade, o progresso e a liberdade voltem para todos nós”, partilhou o antigo chefe de Estado na rede social X. Já Lula da Silva, atual líder brasileiro, saudou o vencedor e lembrou que “a democracia é a voz do povo e deve ser respeitada”, apesar de pertencer a um espectro político oposto.
Em Portugal, André Ventura, líder do Chega, disse na rede social X que “são ótimas as notícias que nos chegam do outro lado do Atlântico", mostrando-se esperançoso que uma viragem à Direita também possa ser uma realidade nas próximas eleições legislativas. "A vitória de Milei é uma premonição para as eleições de 10 de Março em Portugal", escreveu.
"O Louco"
Nascido em 1970, em Buenos Aires, no seio de uma família de classe média, o economista tornou-se famoso quando, em 2015, começou a fazer comentários políticos no canal América TV. As opiniões polémicas transformaram Javier Milei numa estrela de audiências que ilustrou várias páginas de jornais devido às próprias posições e estilo de vida.
A história do cão Conan, que admitiu ter clonado após a morte, foi uma das que contribuiu para que ficasse conhecido como “O Louco”. O rótulo não o inibiu de, em 2021, fundar o partido A Liberdade Avança e agora estar prestes a ser o novo presidente da Argentina.