Foi a campanha mais violenta de sempre, com acusações incendiárias entre duas personalidades antagónicas que impuseram, na sociedade brasileira, uma polarização nunca antes vista.
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Às 19.56 horas de Brasília (22.56 em Lisboa), o Brasil determinou, à segunda volta, a viragem à Esquerda, e recolocou, com quase 51% dos votos (60,3 milhões de eleitores), Luís Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, de onde o agora presidente eleito saiu a 1 de janeiro de 2011, para dar lugar a Dilma Rousseff. Bolsonaro obteve 49.10% dos votos (58,2 milhões, menos 2,1 milhões de votos).
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Num discurso de vitória unificador, no Hotel Intercontinental, em São Paulo, diante de um mar de apoiantes vermelho-PT, o líder dos Trabalhadores, o primeiro a conquistar um terceiro mandato na era pós-ditadura militar, disse ter tido "um processo de ressurreição na política brasileira". E atirou: "Tentaram enterrar-me vivo, e agora estou aqui, para governar o país".
Lula salientou que "esta é a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora".
Não esteve isento de turbulência, o dia em que mais de 156 milhões de brasileiros foram a votos. Contrariando as indicações do Tribunal Superior Eleitoral, a Polícia Rodoviária Federal fez pelo menos 619 operações de fiscalização aos autocarros que transportavam eleitores, metade no Nordeste, o que impôs atrasos na deslocação às urnas numa área tradicionalmente dominada pelo eleitorado de Lula da Silva, levantando a suspeita de tentativa de supressão de votos.
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Mas nada travou a marcha dos trabalhadores e, às 18.44 horas locais, o resultado virou a favor do antigo metalúrgico que, pela sexta vez, tentou ascender ao Palácio do Planalto, depois de governar o Brasil entre 2003 e 2011.
A vitória de Lula vem somar um triunfo no ressurgimento da Esquerda na América Latina, depois da eleição recente de líderes com o mesmo posicionamento no espetro político na Argentina, Colômbia, Peru, Bolívia e Chile.
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa apressou-se a felicitar o novo chefe de Estado eleito, com a certeza de que o mandato "corresponderá a um período promissor nas relações fraternais entre os povos brasileiro e português e por isso também entre os dois estados".
Para trás ficam quatro anos de presidência de Jair Bolsonaro, o primeiro a perder uma reeleição - e que poderá ainda rejeitar os resultados do escrutínio -, que deixa uma administração marcada por uma postura incendiária, que em muitos momentos desafiou as instituições democráticas, nomeadamente na desastrosa gestão da crise pandémica, que resultou na morte de quase 700 mil brasileiros.
Cinco desafios
Economia O atual cenário económico no Brasil é uma das grandes dificuldades que Lula terá de defrontar, uma vez que o país se encontra mergulhado numa espiral de estagflação (recessão associada a inflação alta) sem fim à vista.
Fome Uma estimativa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional indicou, no início deste ano, que 33,1 milhões de pessoas estavam a passar fome no Brasil, um aumento drástico em relação a 2020, quando uma pesquisa mostrou que 19 milhões de brasileiros se encontravam nesta situação.
Violência O Brasil é um dos países com a maior taxa absoluta de homicídios do Mundo, mas, segundo o Instituto de Pesquisa Económica Aplicada, os números relativos a este crime têm descido nos últimos anos. De acordo com um levantamento feito pelo portal G1, nos primeiros seis meses de 2022, foram registados cerca de 20 mil homicídios.
Sistema de saúde A saúde lidera a lista das preocupações dos brasileiros e deverá representar uma das maiores dores de cabeça do novo líder brasileiro. Um estudo publicado na revista "The Lancet", mostra que, entre 2019 e 2020, houve uma redução de 25% na quantidade de procedimentos médicos no Sistema Único de Saúde.
Proteção da Amazónia Só o Brasil, possui 60% da Amazónia, porém, 21% da porção brasileira está destruída devido à desflorestação ilegal impulsionada pelo agronegócio. De agosto de 2021 a julho de 2022, 10 781 quilómetros quadrados de floresta foram destruídos. Este é o valor mais alto dos últimos 15 anos e encaminha 2022 para ser o quarto ano consecutivo com um nível de desflorestação superior a 10 mil quilómetros quadrados.