É um dos métodos usados para tentar camuflar a falta de comida desde a diminuição dos apoios provenientes do Programa Alimentar Mundial da ONU. Famílias inteiras sobrevivem com a ajuda de vizinhos, enquanto mais de três milhões de crianças vivem subnutridas.
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"Dou-lhe remédios para dormir e não acordar a pedir leite. Depois de lhe dar o medicamento, ela dorme de uma manhã até à outra. Às vezes tenho de ir verificar se está viva ou morta", contou à BBC Sohaila, uma afegã que admitiu administrar anti-histamínicos fortes para que a filha de 15 meses permaneça adormecida o máximo de horas possível e, assim, não tenha fome. Este é um dos métodos usados por muitas mães - algumas chegam mesmo a dar antidepressivos aos próprios filhos - que vivem sob a alçada do regime Talibã e, nos últimos meses, têm tido mais dificuldade em conseguir levar alimentos essenciais para casa.
O nível de pobreza no Afeganistão cresceu drasticamente desde o regresso do regime Talibã ao poder, mas a insuficiência na assistência alimentar de emergência proveniente do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas - que, tal como outras organizações internacionais, teve cortes elevados devido a um enorme défice de financiamento - tem contribuído amplamente para aumentar as carências, nomeadamente no seio de famílias em que as mães têm a responsabilidade criarem os filhos sozinhas.
É o caso de Sohaila, que além da bebé Husna Fakeeri, tem mais cinco crianças a seu cargo. Viúva, sozinha e sem uma figura masculina que a ajude a aguentar as despesas do lar, a afegã queixa-se que o regime Talibã não a deixa, tal como a outras mulheres, trabalhar, vivendo totalmente dependente de doações de vizinhos.
"Há noites em que não temos nada para comer. Os meus filhos dormem com fome e quando acordam pergunto-me o que devo fazer. Se um dos meus vizinhos nos traz comida, as crianças atropelam-se para tentar ter acesso aos alimentos. Tento dividir o pouco que tenho entre eles para os acalmar", referiu Sohalia, em declarações à emissora britânica.
Sem apoio internacional
Uma outra mulher, que não quis ser identificada, explicou à BBC que também cuida dos quatro filhos sozinha desde que o marido morreu na guerra, mas como não lhe é permitido ter um emprego, não consegue comprar comida. A afegã disse que foi impedida pelos talibãs de vender frutas e legumes nas ruas, sendo que já acabou detida. "Pelo menos deveriam permitir que trabalhássemos e ganhássemos uma vida honesta. Juro que não queremos sair para fazer coisas más. Só queremos ter dinheiro para comprar comida para os nossos filhos", asseverou.
"Perguntei a um talibã como é que poderia alimentar os meus filhos. Ele disse-me para lhes dar veneno", contou a mulher, que recentemente se viu obrigada a mandar o filho de 12 anos trabalhar.
Questionado pela emissora, um porta-voz Talibã, Zabihullah Mujahid, explicou que o Governo está a fazer todos os possíveis para convencer a comunidade internacional a fornecer mais ajuda. "O apoio foi cortado porque as economias dos países doadores não estão bem. Além disso, ocorreram duas grandes calamidades: a pandemia e a guerra na Ucrânia", justificou.
Antes dos talibãs tomarem o poder, em 2021, três quartos dos fundos públicos do Afeganistão eram provenientes de dinheiro estrangeiro doado diretamente ao regime anterior. O apoio foi interrompido em agosto do mesmo ano, deixando a economia numa espiral de crise. Quem mais sofre são as mulheres, que têm visto todos os seus direitos negados, e os mais novos, já que mais de três milhões de crianças vivem subnutridas.