Milhares de pessoas encheram, este sábado, as ruas de Telavive e de Jerusalém, onde se dirigiram à residência do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, para exigir negociações que conduzam à libertação dos reféns na Faixa de Gaza e o fim da guerra.
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Em vésperas do Novo Ano Judaico, que se celebra a partir de segunda-feira, os protestos juntaram nas principais cidades do país dezenas de milhares de pessoas, segundo o Fórum dos Familiares dos Reféns e Desaparecidos, que promove os protestos todos os sábados a exigir o regresso das pessoas que o grupo islamita palestiniano Hamas mantém em sua posse há quase dois anos.
Em Jerusalém, os manifestantes desfilaram durante várias horas da noite ao longo da rua Azza até às imediações da residência de Netanyahu, levando bandeiras nacionais, fotografias dos reféns e palavras de ordem responsabilizando-o pelo seu destino e também pela sua ausência nas festas do Ano Novo Judaico devido à "guerra de Bibi", em alusão ao diminutivo do chefe do Governo.
Na praça de Paris, onde a marcha teve início, os manifestantes exibiram igualmente uma faixa negra com um apelo dirigido ao Presidente dos Estados Unidos, na esperança de que exerça influência junto do seu principal aliado no Médio Oriente: "Trump, seja o nosso salvador".
Em comum, aos manifestantes não lhes basta a libertação dos reféns levados pelo Hamas nos seus ataques de 7 de outubro de 2023 no sul de Israel, desencadeando uma retaliação imediata na Faixa de Gaza, e reclamam o fim completo do conflito e a poupança de vidas quer dos soldados israelitas quer dos civis palestinianos.
"A guerra tem de acabar, já não existe razão para continuar e há muitas baixas dos dois lados. Sobra um único propósito, que é manter Netanyahu no poder", declara Isaac, 37 anos, profissional de tecnologias de informação, junto do acampamento que familiares dos reféns instalaram à entrada do quarteirão onde mora o primeiro-ministro.
Outra manifestante, Esther, 71 anos, lamenta que Benjamin Netanyahu não se preocupe com o destino dos reféns "desde o primeiro momento", e também ela entende que "o único motivo para continuar a guerra na Faixa de Gaza é a preservação do poder" do chefe do Governo.
De resto, além de autocolantes com o número 715, correspondente ao número de dias acumulados em cativeiro dos reféns, vários cartazes reclamavam a demissão de Netanyahu, que enfrenta acusações na justiça por suborno, fraude e abuso de confiança e dirige uma frágil coligação governamental com apoio da extrema-direita.
"Posso respeitar quem tem uma opinião diferente da minha e entenda que Israel deve vingar-se e destruir as pessoas que fizeram aqueles massacres com toda a brutalidade", prossegue Esther, referindo-se aos ataques há quase dois anos liderados pelo Hamas, que fizeram cerca de 1.200 mortos e 251 reféns, mas insiste que "a guerra não é a solução".
Ainda que duvide que estes protestos levem à queda do primeiro-ministro, justifica a sua presença nas manifestações semanais com "o dever de mostrar que os reféns não estão sozinhos, quando lhes falta o Governo", embora assinale que são cada vez mais participados desde os ataques israelitas contra a delegação negocial do Hamas no Qatar, no passado dia 09.
"O primeiro-ministro devia ouvir os seus chefes militares e de segurança, que o avisaram para o caminho errado desta guerra, e ser responsabilizado por mantê-la", reclama Tobie, 54 anos, perto do pequeno bloco de apartamentos onde mora Netanyahu, numa zona nobre de Jerusalém.
A linguista também adverte para os danos à imagem do país, embora deixe um apelo a todos que defendem o isolamento de Telavive e sanções internacionais: "Isso só vai prejudicar os cidadãos israelitas. Quero que o mundo saiba que muitos de nós somos totalmente contra o que se está a passar e as sondagens mostram uma grande maioria favorável à recuperação dos reféns pela negociação".
Do mesmo modo, considera que o reconhecimento do Estado da Palestina, que Portugal vai anunciar no domingo, a que seguirão outros nove países, incluindo França e Reino Unido, "não passará de uma declaração no papel, quando o que é preciso é um acordo de paz" e não da legitimação de "uma Autoridade Palestiniana corrupta e que apoia o terrorismo num estado lado a lado com Israel".
Os israelitas "vivem um trauma desde 7 de outubro e esse trauma só vai acabar quando os reféns voltarem para casa", frisa ainda Tobie, observando que Netanyahu desrespeita "o valor de que é ninguém ficar para trás e que é muito forte e importante em Israel".
Os protestos de hoje em Jerusalém e Telavive contaram igualmente com discursos de pessoas diretamente envolvidas na crise dos reféns na Faixa de Gaza, dos quais se estima que apenas 20 estejam vivos.
"Eu não sou o foco aqui. Não sou eu que importa. Mas que tipo de país somos nós se abandonarmos os nossos? O que acontece com a nossa nação se estivermos dispostos a sacrificar os reféns?", questionou Lair Hornum, um sobrevivente dos túneis do Hamas, que relatou a sua sensação de morte iminente quando o local onde se encontrava em cativeiro foi bombardeado pelas forças israelitas.
O Exército tem em execução um plano que visa a ocupação da Cidade de Gaza, com vista à eliminação dos últimos redutos do grupo islamita palestiniano e recuperação dos últimos reféns, apesar dos avisos das chefias militares de que a operação pode colocar as suas vidas em perigo.
O plano prevê ainda a deslocação de quase um milhão de habitantes da principal cidade do enclave, gerando uma vaga de crises internacionais, agravadas pela acusação de genocídio por parte de um comité de peritos da ONU, que já tinha declarado situação de fome no norte do território, alegações refutadas por Telavive.
"Setecentos e 15 dias passaram e esta guerra perdeu o rumo. Não está a derrotar o Hamas, não devolveu os reféns e está a isolar Israel a ponto de colocá-lo em perigo existencial. A sua continuação serve ao objetivo do Hamas: esvaziar Israel por dentro e torná-lo num pária aos olhos do mundo", alertou Yoel Ilani, reservista das forças armadas e que só vê na negociação uma saída para o conflito e para a reabilitação do seu país.