Considerada a maior e mais poderosa organização criminosa da Venezuela, Tren de Arágua é a primeira fação do país a expandir significativamente as atividades para outros estados da América Latina e EUA. Há dois dias, foi capturado na Colômbia "Alias HD", um dos criminosos mais perigosos da gangue, que estava em fuga desde 2023 com o líder do grupo criminoso, "Niño Guerrero".
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Na terça-feira, o presidente dos EUA anunciou que a Marinha norte-americana realizou um ataque a uma embarcação de narcotráfico nas Caraíbas, que alegadamente pertencia ao Tren de Arágua, resultando na morte de 11 pessoas. Donald Trump alerta nas redes sociais: "Que isso sirva como aviso a qualquer um que esteja a pensar trazer drogas para os Estados Unidos da América. Cuidado!!".
Desde março deste ano, Donald Trump tem estado no centro de uma polémica envolvendo o gangue venezuelano, após o designar como uma Organização Terrorista Estrangeira, invocando a Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798. Esta medida permitiu a deportação de cidadãos venezuelanos sem o devido processo legal, enviando mais de 200 indivíduos para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, embora muitos dos deportados neguem estar ligados ao grupo.
Ainda esta terça-feira, foi capturado, em Cúcuta, na Colômbia, um dos membros mais perigosos do gangue Tren de Arágua, Henderson Ernesto Dorante Parra, conhecido como "Alias HD". Em 2023, tinha fugido com o líder máximo da gangue, Héctor Rusthenford Guerrero Flores, apelidado de "Niño Guerrero", e outros 41 presos do estabelecimento prisional de Tocorón, em Arágua na Venezuela.
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Segundo a Polícia Nacional da Colômbia, a captura de "Alias HD" foi coordenada com a Interpol e o Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminais (CICPC) da Venezuela. Era procurado em 196 países por crimes como financiamento de terrorismo, narcotráfico, tráfico de armas e associação criminosa.
"Alias HD" era o principal organizador logístico e financeiro da organização nas fronteiras da Colômbia e do Equador, responsável pelo tráfico de armas e munições, além de se apropriar de recursos ilícitos obtidos por extorsão, contrabando e operações transfronteiriças. As investigações revelaram ainda que vivia rodeado de luxo. "Alias HD" posava em fotografias com correntes de ouro e relógios de marca.
O que é o Tren de Arágua?
Frequentemente descrito como um "mega gangue", conta com um exército de mais de 4.000 membros, dispõe de armamento de guerra e mantém uma estrutura hierárquica consolidada. Tren de Arágua surgiu oficialmente entre 2013 e 2015, em Arágua, na Venezuela, embora já tivesse atividade anteriormente. A origem remonta aos sindicatos de trabalhadores envolvidos na construção de um projeto ferroviário destinado a ligar o centro-oeste da Venezuela até ao centro do país, obra que acabou por nunca ser concluída.
Na altura, Héctor Rutherford Guerrero Flores, conhecido como "Niño Guerrero", já liderava a prisão de Tocorón, naquele estado, que se tornou rapidamente a sua base de operações. Entre os fundadores destacam-se Johan José Romero, apelidado "Johan Petrica", atualmente líder de operações de mineração ilegal no estado de Bolívar, no Sudeste da Venezuela, e José Gabriel Álvarez Rojas, conhecido como "El Chino Pradera", abatido em 2016 durante um confronto com a polícia.
Já em 2010 se considerava que, na prisão de Tocorón existia um "pranato", um sistema de poder interno, que transforma a cadeia numa pequena cidade autogerida pelos reclusos. Fotografias da época mostram que nesse ano começavam as obras no estabelecimento prisional que viria a ser a base da formação do Tren de Arágua. Em 2015 a organização já roubava em média 70 veículos por semana, segundo um relatório da Transparência Venezuelana. Nesta altura, Tocorón não era descrito como uma prisão, mas sim como o paraíso.
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A partir de 2016, o gangue começou a expandir-se para outros municípios venezuelanos, chegando a estabelecer presença em 13 estados do país, graças ao apoio de outros grupos locais. Pouco tempo depois, deu início também à expansão internacional, estando hoje presente em pelo menos sete países da América Latina. A dimensão real da organização é difícil de calcular, devido ao número elevado de células satélite dentro e fora da Venezuela. Segundo um relatório de Transparência Venezuelana, só no Brasil, o governo estimou a presença de 740 membros, revela o jornal venezuelana "El Tiempo".
A estrutura interna do grupo é semelhante à de outras prisões venezuelanas, dominadas por líderes criminosos. No topo está o "pran", o líder máximo. Abaixo dele, encontram-se outros "pranes" ou lugar-tenentes, comparados a ministros de confiança. Seguem-se os "luceros de la alta", mais próximos do chefe, e os "luceros de la baja", ligados diretamente à população prisional. Além destes elementos, existem também os "escuderos", cuja função é garantir a proteção pessoal do "pran". Finalmente, existem os "gariteros", responsáveis pela vigilância.
Fora da prisão, existem ainda aliados ao gangue que trabalham como informantes, pessoas nas fronteiras da Venezuela para tratar dos carregamentos de droga, ouro e armas. Existem ainda crianças de 8 a 12 anos que trabalham como mensageiros.
O Tren de Arágua costuma recrutar pessoas que já estão presas, e estes vão subindo na hierarquia do grupo criminoso devido à sua antiguidade ou à lealdade que demonstram ao "Niño Guerrero". Muitos prisioneiros são submetidos a trabalho forçado, como mão de obra em áreas de mineração, tráfico de droga, exploração ilegal de ouro e contrabando de sucata. Outros tipos de recrutamento são feitos em festas, onde convidam e aliciam adolescentes com dinheiro, comida e ajuda para as famílias e posteriormente os capturam.
A trajetória do Tren de Arágua mostra como uma organização criminosa, nascida numa prisão venezuelana, conseguiu transformar-se num dos grupos de crime organizado mais poderosos e temidos da América Latina.