A Oposição Democrática na Venezuela é a vencedora do "Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento" 2017, anunciado esta quinta-feira pelo Parlamento Europeu.
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A Oposição Democrática na Venezuela é galardoada "pela coragem demonstrada por estudantes e políticos na luta pela liberdade".
A candidatura, apresentada pelos grupos do Partido Popular Europeu (PPE) e Liberal (ALDE), representa também os prisioneiros políticos na Venezuela, muitos deles europeus.
"Este prémio irá contribuir para a restauração da liberdade, da democracia, da paz, dos direitos humanos e do primado da lei na Venezuela", disse o porta-voz do PPE para os diretos humanos, José Ignacio Salafranca.
Por seu lado, o líder do ALDE, Guy Verhofstadt, salientou que o galardão "apoia a luta das forças democráticas por uma Venezuela democrática".
O prémio, no valor de 50 mil euros, será entregue na sessão plenária de dezembro.
Os outros dois finalistas eram Aura Lolita Chavez Ixcaquic, que tem lutado pelo direito à terra do povo indígena Maya K'iche na Guatemala; e Dawit Isaak, jornalista eritreu detido há 15 anos sem julgamento e que se tornou num símbolo internacional da luta pela liberdade de imprensa.
No ano passado, o galardão foi atribuído às ativistas Nadia Murad e Lamia Haji Bachar, da minoria Yazidi, que foram feitas escravas sexuais por parte do autoproclamado Estado Islâmico.
O físico russo Andrei Sakharov - que dá o nome ao prémio - criou a bomba de hidrogénio russa, percebeu as consequências do seu trabalho e tornou-se dissidente subversivo, enveredando pela defesa dos direitos das vítimas de julgamentos políticos.
O prémio Sakharov é entregue desde 1988 a pessoas com contributo exemplar na luta pelos Direitos Humanos.
Preso durante quatro meses sem provas: "A detenção de opositores foi um golpe enorme"
"Foi acusado de organizar uma rebelião, insubordinação e traição à pátria." É uma fonte da Sociedade Venezuelana de Filosofia (SVF) que conta ao JN a história de Jorge Machado, professor de Filosofia e dirigente do partido da oposição "Vontade Popular", vítima daquilo que descreve como prisão arbitrária e pressão do Governo de Nicolás Maduro sobre a oposição política de uma Venezuela mergulhada numa crise política "profunda". Porque Jorge Machado está proibido de falar com a comunicação social.
Em junho, no auge da onda de protestos opositores que deixaram um rasto de morte no país, Jorge Machado "foi sequestrado". "Sem distintivos ou ordem de detenção, levaram-no para a sede da polícia". Juntou-se, a crer nos números do Fórum Penal Venezuelano, aos mais de 400 presos políticos recenseados no país. A ONG de defesa dos Direitos Humanos dá conta de detenções feitas, na sua maioria, pela Guarda Nacional Bolivariana e pelo SEBIN, Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional. Jorge Machado "ia na sua moto e um carro mandou-o parar. Pediram-lhe que os acompanhasse. Quando perguntou quem eram, disseram apenas que faziam parte do SEBIN e que havia uma investigação em aberto".
A par das detenções arbitrárias, há relatos de tortura. E se o académico foi "razoavelmente bem tratado", muitas das pessoas presas com ele "foram pressionadas, espancadas e até torturadas com recurso a eletricidade. Acabaram por ceder, assumir a sua posição política e denunciaram outros", como lhe pediram a ele. Na esquadra tentaram que gravasse um vídeo, "com a desculpa de que era parte do protocolo". Pediram-lhe que dissesse "que fazia parte de um partido de opositores e que desse o nome dos colegas". Nunca o fez.
Foi metido numa cela de 20 metros quadrados com 60 pessoas e condições sanitárias miseráveis. Não havia "camas, espaço para caminhar e esteve exposto a doenças, piolhos, carraças". Usando o melhor que sabe fazer - a arte de argumentar -, conquistou a confiança de alguns guardas que lhe fizeram chegar um ventilador para a cela e livros. "Foi assim que começou a ensinar filosofia moderna" aos companheiros de cela.
Sem acusações fundamentadas - "a única prova que tinham era uma foto dele a segurar um megafone" - "a audiência foi continuamente adiada até que a advogada pediu que fosse transferido". Estava sob alçada de um tribunal militar, que considerou não dispor de provas suficientes contra Machado. "Passou a ser julgado num tribunal civil, que descartou a acusação, também por falta de provas".
Foi libertado a 29 de setembro, mas continua sob investigação e sujeito a medidas cautelares. "Está proibido de sair do país, não se pode envolver em nenhum tipo de ato político e estão estipuladas apresentações semanais na esquadra".
A aparente acalmia e a vitória do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUL, de Maduro) nas eleições regionais deste mês não são sinais de que as coisas estão melhores, garante a fonte da SVF. "Cada vez mais o povo perde espaço de liberdade" e a situação das prisões arbitrárias continua aparentemente sem solução. "Muitas vezes, os métodos legais de julgamento justo não são opção para a liberdade e são necessárias negociações com as entidades", diz, subentendendo favores.
"As pessoas estão desesperadas. Foram obrigadas a participar e a votar e estão a ser manipuladas com a única coisa que ainda têm", o cartão da pátria que dá aos mais desfavorecidos o acesso à cesta básica de alimentos. "Na rua há grupos militarizados a fazer controlos e a tirarem o cartão a quem pareça suspeitos. Há famílias inteiras a comer do lixo nas ruas de Caracas. Os coletivos (grupos civis pró-Governo armados) controlam os setores fulcrais", conta a fonte da SVF
"A detenção de líderes e representantes da oposição foi um golpe enorme na luta contra o Governo", admite a SVF, que lamenta o ambiente que se vive no mundo académico. Adelino Cardoso, professor de Filosofia na Universidade Nova de Lisboa, mentor e subscritor de um abaixo-assinado da Sociedade Portuguesa de Filosofia pedindo a liberdade de Jorge Machado, entre os muitos que se fizeram, fala em "tensão, insegurança, falta de abertura e reconhecimento do outro". Mas a solução, conclui a nossa fonte venezuelana, não passa por radicalismos como "golpes militares, de estado, ou mesmo intervenções estrangeiras". Só pela via democrática, garante.