Pressão da extrema-direita e Bolsonaro em domiciliária. O que explica a amnistia aos golpistas?
A Câmara dos Deputados do Brasil aprovou, na noite de quarta-feira, acelerar as discussões do projeto de amnistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, o que pode incluir o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a uma pena de prisão de 27 anos e três meses na semana passada. A derrota para o Governo de Lula da Silva representa mais um episódio na disputa entre o Executivo e o Legislativo, que tenta ainda dificultar a investigação judicial de parlamentares.
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A aprovação da urgência do projeto de amnistia pela câmara baixa do Congresso significa que o diploma não precisará de passar por comissões, podendo ser votado diretamente em plenário. O texto que serviu de base para a votação da quarta-feira deverá ser modificado, indicou a Imprensa brasileira, com a expectativa de que um perdão total das condenações (o objetivo das alas bolsonaristas) não ocorra, mas que haja uma diminuição das penas decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A atual proposta aponta que "ficam amnistiados todos os que participaram em manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações nos média sociais e plataformas, entre o dia 30 de outubro de 2022 e o dia de entrada em vigor desta lei". Foi apresentada por um deputado do partido Republicanos, partido da Oposição ligado à Igreja Universal do Reino de Deus.
A votação, que contou com 311 votos a favor, 163 contra e sete abstenções, refletindo praticamente a divisão entre Direita e Esquerda no Parlamento, foi incluída na agenda legislativa de última hora após forte pressão dos conservadores sobre o presidente da Câmara, Hugo Motta. "O Brasil precisa de pacificação. Não se trata de apagar o passado, mas permitir que o presente seja reconciliado e o futuro construído em bases de diálogo e respeito. Há temas urgentes pela frente e o Brasil precisa andar", defendeu o também deputado do Republicanos.
Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e presidente da República, Lula da Silva
Foto: Evaristo Sá / AFP
"É um dia triste para a democracia brasileira. Num momento em que as instituições deveriam ser fortes, vimos o contrário ali dentro, uma rendição a esses golpistas", considerou o líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara, Lindbergh Farias, citado pelo portal G1. O presidente Lula da Silva, em entrevista à estação britânica BBC News, já disse que vetaria uma eventual amnistia - medida que pode ser revertida pelo Congresso.
O Palácio do Planalto ordenou a análise do pagamento de emendas do Orçamento a parlamentares e a reavaliação de cargos ocupados e por deputados e senadores que votassem favoravelmente pela amnistia aos condenados pela tentativa de golpe de Estado, noticiou na semana passada o jornal "Folha de S. Paulo". Um aliado de Lula disse ao periódico que tal projeto seria um "divisor de águas" para saber quem era e quem não era do Governo.
Negociações com o Supremo e apoio a sucessor
Segundo a "Folha", citando fontes que participaram nas negociações, membros do "Centrão" acordaram com pelo menos dois juízes do STF para que a proposta de amnistia reduza as penas, garantindo que Bolsonaro fique em regime domiciliário, mas sem que haja um perdão dos crimes. O "Centrão" é um grupo informal de partidos de centro-direita e Direita que controla grande parte dos assentos na Câmara e que surgiu com o fim da ditadura, nos anos 80. Tal bancada, com grande influência, normalmente apoia quem está no poder.
O jornal explicou ainda que tais conversações com magistrados do Supremo são o que permitiram o avanço do projeto com um texto do Republicanos, em vez de um do Partido Liberal (PL), força política de Bolsonaro.
Além disso, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, também do Republicanos, esteve em Brasília para reunir-se com autoridades e pressionar presidente da Câmara, Hugo Motta, a pôr em votação a questão da amnistia. O líder do estado mais populoso do Brasil é visto como um dos principais sucessores de Bolsonaro na extrema-direita, sendo um dos nomes mais debatidos para as presidenciais de 2026. De acordo com a "Folha", Tarcísio espera que, com a amnistia, o ex-presidente, inelegível devido a outro processo, declare formalmente apoio à sua candidatura.
Tensão entre Governo e Congresso
A aprovação da urgência abre uma nova frente na guerra entre o Governo Lula da Silva e o Congresso, já que o texto de uma amnistia deverá ser alvo de disputas políticas pelas próximas semanas, enquanto não se define uma data para a votação final.
Um dia antes, a Câmara dos Deputados tinha dado luz verde a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que protege deputados e senadores de investigações judiciais, representando outra derrota para o Governo federal de centro-esquerda. Apelidada de "PEC da Blindagem" pelos adversários, a medida prevê uma autorização prévia da Câmara ou do Senado para a abertura de qualquer investigação contra os legisladores - com votações secretas.
A condenação, que só poderá ocorrer no STF e não em instâncias inferiores, vai precisar agora de dois terços dos votos dos juízes, em vez de uma maioria simples - assim como na aprovação de medidas cautelares contra parlamentares, como a prisão preventiva ou o uso de pulseira eletrónica. A prisão em flagrante só poderá acontecer em caso de crimes sem fiança, como racismo, tortura, tráfico de drogas ou terrorismo, por exemplo.
Hugo Motta argumentou em favor da PEC, salientando que a proposta "garante o fortalecimento do mandato parlamentar de cada um dos parlamentares desta casa". A emenda precisa ser analisada pelo Senado, onde enfrenta resistência, e, se for aprovada, não precisará de ser assinada pelo Planalto, sendo promulgada diretamente.