Privatização, desregulamentação e prisão de seis anos para manifestantes: a extensa reforma de Milei
O Governo de Javier Milei enviou, quarta-feira, ao Congresso a "Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos", conhecida como lei autocarro. Isto porque o projeto com 664 artigos propõe mudanças em diversas áreas, como a diminuição do Estado e o aumento da repressão contra manifestantes.
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Sob fortes protestos desde que tomou posse, a 10 de dezembro, o Executivo de extrema-direita de Milei quer endurecer as penas e considerar qualquer "congregação intencional e temporal de três ou mais pessoas" uma manifestação. Enquanto participantes podem ser presos por até três anos e seis meses – quatro anos se causarem danos –, os organizadores podem ficar detidos por até seis anos se atrapalharem o trânsito de terceiros.
Quarta-feira foi marcada por protestos em todo o país. Em Buenos Aires, a manifestação convocada pela Central Geral de Trabalhadores, maior confederação sindical da Argentina, contou com milhares de participantes contrários ao Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) anunciado no dia 20.
O DNU desregulamenta o mercado da habitação, incluindo os arrendamentos; facilita a demissão de trabalhadores que participem de greves; retira o controlo dos preços de produtos como alimentos; retira proibições de exportações – o que pode aumentar os preços dos produtos locais –; transforma as empresas estatais em sociedades anónimas "para posterior privatização"; e revoga uma lei que limitava a concentração de terras, especialmente de estrangeiros.
A lei autocarro apresentada ontem "ratifica" o decreto unilateral do Executivo. Milei ameaçou realizar um pleibiscito caso o DNU fosse rejeitado pelo Congresso – que é o único órgão capaz de convocar uma consulta popular cujos resultados são vinculativos.
O Governo, que anunciou esta semana que não deve renovar os contratos de até sete mil funcionários públicos, quer declarar emergência pública e económica até o dia 31 de dezembro de 2025, podendo a medida ser prorrogada por até dois anos. Agências e outras entidades públicas podem ser fundidas ou encerradas, enquanto 41 empresas estatais estão "sujeitas à privatização", como a Aerolíneas Argentinas, o Banco Nación, a Casa da Moeda, o Correio Oficial, as emissoras públicas e a petroleira YPF.
A proposta de diploma tira ainda do Estado a competência de regular os preços dos combustíveis, do gás e do petróleo. A YPF terá de "vender unicamente a preços que refletem o equilíbrio competitivo da indústria, isto é, nas correspondentes paridades de exportação ou importação".
Na área laboral, Buenos Aires faz mais um aceno ao setor empresarial, extinguindo ações penais e condenações de infrações, multas e sanções resultantes de irregularidades na contratação de um empregado. Na área criminal, a definição de legítima defesa é ampliada.
Mudanças eleitorais
Outras medidas incluem alterações na composição da Câmara dos Deputados, eliminando o mínimo de cinco deputados por cada província e subindo o mínimo de 161 mil para 180 mil habitantes para cada legislador. Ainda no âmbito eleitoral, propõe-se o fim das primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias, conhecidas como PASO.
"O projeto de reforma do Estado vai iniciar imediatamente o seu processo legislativo e tem como objetivo libertar os argentinos do peso do Estado que tanto dano causou a todos nós", afirmou o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, citado pelo jornal "Clarín". “Isso diz respeito à responsabilidade dos deputados e senadores, que esperamos que apoiem o que o povo votou”, acrescentou.
"Os trabalhadores esperam que os seus representantes sejam capazes de unir forças e esperamos que os dirigentes centrais estejam à altura da ocasião", afirmou ao diário espanhol "El País" o secretário nacional da Associação dos Trabalhadores do Estado, Rodolfo Aguiar, que defende uma greve geral.