O procurador-geral brasileiro afirmou, esta terça-feira, que os oito acusados da tentativa de golpe de Estado, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, formaram uma "organização criminosa" que documentou "a quase totalidade das ações".
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"A organização criminosa documentou, ou titulou, a quase totalidade das ações narradas na denúncia", disse Paulo Gonet, durante leitura da acusação no primeiro dia do julgamento que pode condenar Jair Bolsonaro a mais de 40 anos de prisão.
De acordo com a acusação, grande parte das ações foram documentadas pelos próprios através de "gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas [folhas de cálculo] e trocas de mensagens eletrónicas, tornando ainda mais percetível a materialidade delitiva".
Por essa razão, frisou, "não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados, se as defesas têm valor".
PGR considera todos os acusados responsáveis
O Procurador-Geral da República brasileiro afirmou, esta terça-feira, que o ex-presidente e a sua cúpula são responsáveis por planear um golpe de Estado e que "todos convergiram" para assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no poder.
"Todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si", disse Paulo Gonet, durante leitura da acusação no primeiro dia do julgamento que pode levar Jair Bolsonaro a mais de 40 anos de prisão, frisando que "os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia [acusação] são fenómenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas".
Segundo Paulo Gonet, "todos convergiram, dentro do seu espaço de atuação, para o objetivo comum de assegurar a permanência do presidente da República na época na condução do Estado, mesmo que não vencesse as eleições, e mesmo depois de ter efetivamente perdido a preferência dos eleitores em 2022".
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Para o procurador-geral, tanto Bolsonaro, como os outros sete arguidos em julgamento, colaboraram "em cada etapa do processo de golpe, para que o conjunto de acontecimentos criminosos ganhasse realidade".
Gonet salientou não ser necessária uma ordem oficial assinada por Bolsonaro para que haja crime de golpe de Estado, até porque "não é preciso um esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso".
Por essa razão, Paulo Gonet apelou à condenação de todos os envolvidos: "Punir a tentativa frustrada de tentativa de rutura é imperativo, opera como elemento dissuasório contra o ânimo de aventuras golpistas".
Segundo a acusação, o plano foi discutido antes mesmo das eleições de outubro de 2022, começando com uma campanha contra o sistema eleitoral e tomou forma concreta após a derrota de Bolsonaro nas urnas para Lula da Silva.
A acusação sustenta que, na investigação, foi encontrado o rascunho de um decreto que anulava as eleições e ordenava a detenção de alguns juízes, entre eles Alexandre de Moraes, hoje relator do processo. Também foram encontrados documentos sobre um plano para vigiar os movimentos de Lula da Silva, do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e de Alexandre de Moraes. No documento, o "punhal verde e amarelo", sugeria-se até a possibilidade de assassiná-los através de "envenenamento", disse.
Paulo Gonet acusou ainda Bolsonaro de ter incentivado os acampamentos em frente aos quartéis do Exército, logo depois das eleições presidenciais, nos quais se exigia a intervenção militar para impedir a posse de Lula da Silva.
Meses de desinformação e de ataques verbais levaram a que, a 8 de janeiro de 2023, milhares de radicais invadissem e atacassem as sedes dos três poderes em Brasília, cerca de uma semana depois da tomada de posse de Lula da Silva.
A primeira sessão da manhã do julgamento foi marcada pela leitura do resumo do caso por parte do juiz Alexandre de Muares, o relator do processo, e pela intervenção de Paulo Gonet. Entre a parte da tarde e quarta-feira seguem-se as intervenções das defesas por ordem alfabética, com o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, a ser o primeiro a discursar por ter feito um acordo de delação premiada com o tribunal.
Os advogados de Jair Bolsonaro serão os sextos a usar da palavra para procurarem defender o ex-chefe de Estado brasileiro que se encontra em prisão domiciliária e que decidiu não marcar presença hoje na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em Brasília, a poucos quilómetros da sua residência.
No seu discurso, Alexandre de Moraes lamentou hoje que se tenha tentado um golpe de Estado no Brasil e afirmou que amnistiar os envolvidos seria uma "covardia".
O coletivo da Primeira Turma do STF é formado pelo juiz Alexandre de Moraes (considerado o 'inimigo número um' do 'bolsonarismo'), por Flávio Dino (ex-ministro da Justiça do presidente, Lula da Silva), Luiz Fux (indicado ao STF pela então presidente Dilma Roussef), Cármen Lúcia (indicada ao STF por Lula da Silva) e Cristiano Zanin (ex-advogado pessoal de Lula da Silva).
Além de Jair Bolsonaro, vão a julgamento o deputado federal Alexandre Ramagem, o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o general na reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República Augusto Heleno, o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, o general e ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o general na reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Neto.
Todos respondem por tentativa de abolição violenta do Estado de direito democrático, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de património.
A acusação aponta que Jair Bolsonaro foi o "principal articulador" e líder do plano de golpe de Estado, que incluiu um plano para assassinar Lula da Silva e outras autoridades, como o juiz Alexandre de Moraes.