Documentário espanhol mostra ao Mundo conflito étnico ofuscado pela guerra do vizinho Ruanda.
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Os 59 anos de independência do Burundi, pequeno e desconhecido país no coração de África, foram marcados por conflitos e instabilidade. Duas guerras civis, no século XX, uma grande crise política, em 2015, e as feridas abertas pelos episódios traumáticos de limpeza étnica que duram há 30 anos contribuem para a existência sofrida de um país.
Dois jornalistas espanhóis reconstroem, através do testemunho de quem sofreu a violência e o ódio desmesurado, a história do Burundi, no documentário "Voiceless: O genocídio silenciado" . O ativista burundiense Lievin Manisha, a viver há vários anos nos Estados Unidos, é o protagonista do filme que relata parte da sua vida.
O homicídio do presidente Melchior Ndadaye, da Frente para a Democracia do Burundi, após ganhar as primeiras eleições democráticas no país, em 1993, desencadeou uma onda de violência entre a maioria hútu e a tutsi, que mudou o destino dos burundienses. As duas etnias chamaram a si como único objetivo eliminar a parte contrária através de matanças terríveis. Conseguiram-no. A guerra civil do Burundi deixou 300 mil mortos, 700 mil refugiados e uma ferida que ainda sangra.
A família tutsi de Manisha foi assassinada, por razões étnicas, transformando um rapaz sem maldade num refugiado acolhido na África do Sul. Lievin Manisha viu morrer os pais e os irmãos. A fuga do Burundi abriu-lhe a porta do cristianismo, antes de viajar até à América do Norte onde conheceu Víctor Villavieja, um dos realizadores do documentário. O jornalista achou que a história de Manisha precisava de ser mundialmente conhecida.
E quando o projeto começou a dar os primeiros passos, em 2018, Manisha aproveitou a oportunidade única para lembrar ao Mundo a triste situação do Burundi. No 70.° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o ativista compareceu à frente das Nações Unidas, em Nova Iorque, para denunciar as violações de direitos humanos que se cometem diariamente no Burundi.
Pouca informação
"As organizações internacionais fracassaram ao considerarem o conflito do Burundi como mais um, quando realmente é excecional. Trata-se de um genocídio silenciado", explica Lievin Manisha ao JN, criticando o "surpreendente e irritante" silêncio da comunidade internacional sobre o conflito.
A escassa documentação e informação sobre a guerra civil (1993-2005) silencia as atrocidades cometidas por ambos os bandos. O conflito do Burundi foi eclipsado pelo genocídio do vizinho Ruanda (1994) e os governos burundienses tentaram encobrir à própria população a brutalidade dos crimes. "Queremos mostrar ao Mundo uma realidade desconhecida. Todo o Mundo conhece o que aconteceu no Ruanda, mas ninguém sabe o que aconteceu no Burundi", realça Villavieja, que, com Martin Soto, realiza o documentário.
Aquele país africano ainda não fugiu do passado e vive dentro de uma falsa democracia liderada por Evariste Ndayishimiye. "Trata-se de uma ditadura na qual a violência extrema e o ódio estão normalizados. As pessoas continuam a morrer pela etnia", lamenta Manisha.
Milhares de refugiados
Segundo o ACNUR, após o fracasso do golpe de estado de 2015, em Bujumbura, mais de 330 mil burundienses fugiram das fronteiras. Refugiaram-se na Tanzânia, no Ruanda e no Congo.
Vozes autorizadas
Afonso Armada, correspondente em África do jornal espanhol "El País", o fotojornalista Gervásio Sánchez ou a Princesa Esther Kamatari do Burundi falam no documentário.