"Recuso-me a cumprir o meu dever": soldados russos em fuga deixam cartas para trás
Soldados russos em fuga da cidade de Izium, perto de Kharkiv, deixaram para trás cartas que refletem cansaço e desmotivação com a guerra entre Moscovo e Kiev.
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Posto de importância crucial para a Rússia, a cidade de Izium serviu de base para as tropas russas em Kharkiv, que se situa a cerca de 120 quilómetros. Na contraofensiva do último mês, mais de 300 localidades foram recapturadas pelas forças de Kiev, incluindo Izium, de onde os soldados russos se retiraram. Para trás, ficaram botas, uniformes e até postais coloridos pintados por crianças russas. Mas são as cartas deixadas pelos soldados que revelam a verdadeira desmoralização militar.
Dez cartas datadas de 30 de agosto e encontradas pelas tropas ucranianas numa casa, às quais o "The Washington Post" teve acesso, pintam um retrato de tropas desanimadas, desesperadas por descanso e preocupadas com a sua saúde após meses de luta.
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"Recuso-me a cumprir o meu dever na operação especial no território da Ucrânia por falta de dias de férias e exaustão moral", escreveu um comandante de um pelotão de mísseis antiaéreos da região de Moscovo. Outro soldado pediu para ser libertado dos deveres, alegando o agravamento da "saúde e não ter recebido a assistência médica necessária". Um terceiro disse que estava a passar por "exaustão física e moral".
As queixas não se ficam por aí: alguns soldados queixaram-se que lhes foi negado o tempo de férias por obrigações familiares, incluindo casar e testemunhar o nascimento de um filho.
As dez cartas parecem ter sido escritas de forma semelhante, sugerindo que foram escritas ao mesmo tempo.
Cartas contrastam com palavras de apoio vindas da Rússia
As cartas que descrevem a falta de vontade dos soldados russos contrastam com a pilha de cartas de alunos de uma cidade perto de Moscovo, que incentivam as tropas a lutar.
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"Olá, não sei quem vai receber esta carta, mas sei que estão a passar por um momento muito difícil", escreveu uma menina chamada Nastya. "É por isso que quero apoiar-vos. É possível que estejam com fome, com frio, queiram ir para casa com a vossa família ou talvez queiram voltar para os vossos amigos de infância".
"Reconheço muito as dificuldades pelas quais estão a passar", escreveu um menino, Pasha, acrescentando que frequenta o quarto ano escolar na cidade de Mytishchi, ao norte da capital russa. "Estou grato por vivermos sob um céu claro e azul".
Numa outra carta, Geydar escreve: "Vejo como estão a lutar na Ucrânia. Desejo que a vossa família tenha muito orgulho em vocês. Espero que acabem por vencer e, se tiverem filhos, serão um herói aos olhos deles".
Fuga a pé ou bicicleta e com roupas roubadas a civis
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Izium esteve sob domínio russo desde o início da guerra e foi reconquistada a 10 de setembro pelo exército de Zelensky. Quando os ucranianos começaram a sua investida em direção à cidade, os soldados russos tiveram tempo suficiente para destruir o que pudessem à saída: atearam fogo ao edifício da câmara municipal, atearam explosivos em alguns dos equipamentos militares que planeavam abandonar e explodiram uma ponte estratégica.
Pouco antes de os ucranianos recuperarem a cidade, as tropas russas impuseram um recolher obrigatório de 24 horas, entraram em casas de civis e invadiram armários em busca de roupas para evitar serem vistos com os seus uniformes. Alguns fugiram a pé ou de bicicleta.
Agora, na cidade, o cenário é apocalíptico. Quase todos os edifícios estão danificados, se não mesmo destruídos. As lojas foram completamente saqueadas. Tropas ucranianas foram posicionadas em toda a cidade, algumas a direcionar o trânsito para longe das estradas bloqueadas por equipamentos abandonados e através de uma ponte flutuante montada à pressa para substituir a ponte destruída.
Numa visita surpresa a Izium na quarta-feira, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky declarou que a bandeira azul e amarela da Ucrânia será hasteada "em todas as cidades e vilas ucranianas".