Os sírios que vivem na Turquia já ultrapassam os dois milhões, disse à Lusa o chefe da Coordenação Geral de Refugiados Sírios da Turquia, Veysel Dalmaz, ao alertar que o país já esgotou a capacidade de assistência humanitária.
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"A nossa política é de fronteira aberta, não recusamos ninguém que venha da Síria, não fazemos discriminação em relação ao lado em que estão. Aceitamos a entrada sempre que possível para acolhê-los", afirmou Dalmaz.
Segundo o representante do governo turco, o país já destinou 5 mil milhões de dólares (4,1 mil milhões de euros) para a ajuda humanitária, através da Autoridade para Desastres e Gestão de Emergências (AFAD).
Existem no país 22 campos, com estruturas para acolher 220 mil sírios espalhados por 17 províncias turcas. Um novo campo com capacidade para 20 mil pessoas está em vias de ser construído para acolher a população que vive em campos alternativos como do Partido Democrático do Povo (HDP), uma representação legal dos curdos dentro do Parlamento em Ankara.
O HDP tem fortes laços com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), braço armado guerrilheiro do líder preso Abdullah Öcalan, listado como uma organização terrorista internacional.
Pela dificuldade em acolher todos os que fogem do conflito no país vizinho, com 22,5 milhões de habitantes, o governo turco tolera a existência destes campos alternativos que acolhem curdos oriundos da Síria, muitos naturais de Kobane, que empreenderam uma fuga em massa quando o Estado Islâmico avançou sobre esta pequena cidade Ayn al-Arab (em árabe), localizada ao norte da Síria.
"Somente de Kobane chegaram 200 mil pessoas. No dia em que as bombas estavam a cair sobre as pessoas, tivemos que abrir rapidamente os portões da fronteira. Definimos áreas de espera para milhares de pessoas", explicou Dalmaz .
Segundo o representante turco, não há na história mundial um caso de migração em massa de um país para outro num período de tempo tão curto.
"Não há um país que tenha conseguido absorver tanta gente em tão pouco tempo. A Turquia está a realizar uma operação humanitária em grande escala", destacou.
Contudo, existe ainda uma população de 1,5 milhões de sírios espalhados em aldeias, cidades e províncias por toda a Turquia e que não estão em campos de refugiados, considerados pelo governo como campos de acomodação temporária.
Os sírios que entram na Turquia devido ao conflito armado não são considerados refugiados e, por isso, não têm o mesmo estatuto legal de um cidadão turco.
Ao cruzar a fronteira, recebem vistos temporários e não estão autorizados a procurar empregos formais.
"Damos um visto de acomodação temporário pois pensamos que quando a guerra acabar, eles voltarão para o seu país. No início imaginávamos receber cerca de 100 mil, mas já passaram os dois milhões", comentou.
O chefe da Coordenação Geral de Refugiados Sírios afirma que o governo já está a analisar a possibilidade de inseri-los no mercado formal de trabalho. "Hoje quem trabalha fá-lo ilegalmente, mas toleramos isso. Pretendemos legalizá-los e dar emprego a todos", discutiu.
O grande problema ainda se refere à falta de vagas e de professores para as crianças sírias nas escolas. Só na província industrial turca de Gaziantep, a 130 quilómetros de Aleppo, reduto dos rebeldes na Síria, onde vivem 300 mil sírios, um em cada quatro são crianças.
Não obstante, há vagas para apenas 20 mil alunos sírios nas escolas. Esta situação repete-se em toda a Turquia, admitiu Dalmaz.
"Não sabemos até quando os sírios vão continuar a chegar, mas já ultrapassámos os nossos limites. A nossa preocupação é que ocorram mais bombardeamentos e que milhares de pessoas corram para a fronteira. Uma multidão inteira foge para a fronteira para pedir autorização e à espera de acolhimento", destacou.
A República Árabe Síria enfrenta desde março de 2011 uma guerra civil que já provocou, pelo menos, 200 mil mortos em quatro anos e destruiu a infraestrutura do país, gerando uma crise humanitária na região, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.
O presidente Bashar al-Assad, da minoria étnico-religiosa alauíta, enfrenta há quatro anos uma rebelião armada que tenta derrubá-lo do poder.
No início, a rebelião esteve localizada na cidade de Daraa, de maioria sunita. A população reivindicava mais democracia e liberdades individuais inspirada na Primavera Árabe, desencadeada no Egito e na Tunísia.
Os manifestantes também acusavam o governo de corrupção e nepotismo. Com a repressão violenta das forças de segurança de Assad, os protestos espalharam-se pelo país e transformaram-se numa revolta armada apoiada por militares desertores e por grupos islamitas como a Irmandade Muçulmana, do Egito, e radicais, como o grupo Al-Nursa ligado à rede terrorista da Al-Qaeda, com o objetivo de derrubar o regime.
Entre o fim de 2013 e o início de 2014, os confrontos entre rebeldes islamitas e jiadistas do Estado Islâmico fizeram milhares de mortos e o conflito generalizou-se pelo país.
Segundo o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), mais de três milhões de sírios são refugiados em países como a Turquia, Jordânia, Iraque e Líbano. Esta é a maior emergência humanitária do século XXI em que, desde o início do conflito, mais de metade de toda a população do país foi forçada a deixar suas casas e fugir para sobreviver.
*Agência Lusa