Abriu a porta de ripas de madeira quase como se estivesse a pedir desculpa. "É aqui que se dorme. Está um caos, é imundo". Alexander Turkot tem sorte. Não precisa de dormir nas duas tendas improvisadas na Praça da Independência que lhe coube guardar na tarde deste domingo. Há centenas de barracas iguais. "Como moro em Kiev, posso ir dormir a casa", confessou, com alívio. Se fosse de fora, seria obrigado a mergulhar no caos imundo que resistiu a mostrar. Talvez por isso quase todas as tendas da Maidan se fechem aos jornalistas.
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A barraca circular que Turkot vigia aproveitou a forma geométrica do antigo lago que é o seu alicerce. No interior escuro há camas improvisadas em paletes de madeira. Por baixo, corre uma humidade cortante. É lá que um homem resguarda o sono dos três graus do exterior com dois cobertores velhos e sujos. A salamandra só será ligada à noite quando a temperatura baixa demasiado.
Tomar banho é um luxo: ou não se toma, ou se aproveita uma rara vaga nos edifícios ocupados. As casas de banho químicas espalhadas pela Praça da Independência são o único recurso para cumprir as necessidades fisiológicas.
"Temos lenha, sempre nos aquecemos todos, enquanto discutimos a situação", diz o jovem Alexander, que tenta arrumar o colete à prova de bala pousado nos cobertores. "Fica aqui tudo misturado e quando queremos as máscaras antigás não as conseguimos encontrar", lamenta.
Fora da tenda, o espaço é rigorosamente ordenado. Marina Baranovskaya dá uma ajuda. Varre as cinzas e a lama que as botas dos homens trazem para dentro da zona delimitada com madeiras. Cada grupo tem a sua e não há misturas. "Só para fazermos comida é que às vezes nos juntamos", confirma Turkot.
Contíguo ao dormitório fica uma espécie de paiol. "Aqui guardamos os cocktails Molotov para nos defendermos". As garrafas de cerveja são enchidas de combustível e tapadas com a mecha de pano numa zona segura que Alexander faz questão de mostrar. "Ali está a gasolina. São os amigos de fora da praça que a trazem para cá".
No meio da confusão há várias "armas" de aspeto ameaçador, não fosse a circunstâncias de serem plásticas. O lança-cocktails que Turkot faz questão de mostrar é feito de canos de água em PVC. "Estes ainda não foram usados, mas estão aqui e nós estamos alerta", finaliza.
Alexander Turkot está certo de tudo o que tem à sua guarda, só nada sabe sobre o futuro. "Tudo isto valeu a pena? A revolução valeu a pena?". Turkot faz silêncio: "Não sei. Ainda não sei".