Silêncio e contas vazias: Evergrande falha pagamentos a funcionários e investidores
A empresa de imobiliário "mais endividada do mundo", a Evergrande, falhou o pagamento dos juros de um empréstimo obrigacionista e não cumpriu com os salários do trabalhadores de uma fábrica de automóveis elétricos que faz parte do grupo chinês, cuja possível falência preocupa o Mundo, apesar dos discursos tranquilizadores na Europa e nos EUA.
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Silêncio e contas vazias. É o que resta a milhares de funcionários e investidores da Evergrande, o conglomerado chinês assente no imobiliário que tem uma dívida de mais de 260 mil milhões de euros. A empresa falhou o pagamento, na quinta-feira, de 83 milhões de dólares (cerca de 79 milhões de euros) de juros de um empréstimo obrigacionista em moeda norte-americana, com um valor facial de dois mil milhões de dólares (cerca de 1.700 milhões de euros).
A falta de pagamento dos juros obrigacionistas não é fatal para a Evergrade, que goza de um período de carência de 30 dias para retribuir os investidores. O "provável" incumprimento, que seria o primeiro desde a fundação da empresa, em 1996, cobre de dúvidas sobre a viabilidade da companhia.
Quero o meu dinheiro, foi ganho à custa de suor e sangue
A crise da empresa começou já a mexer no bolso de muitos dos cerca de 200 mil trabalhadores, alguns dos quais se concentraram em frente à sede da empresa, em Shenzhen, na China, para reclamar o pagamento dos salários. "Quero o meu dinheiro, foi ganho à custa de suor e sangue", dizia um manifestante.
O protesto em Shenzhen aconteceu ainda antes de ser noticiado que a a unidade de produção de veículos elétricos, um dos muitos negócios da companhia, não regularizou os salários de alguns funcionários e falhou os pagamentos a vários fornecedores do Grupo Veículos Nova Energia (NEV, na sigal em inglês).
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A informação é avançada pelo site da agência de notícias financeiras "Bloomberg", que cita fontes conhecedoras do processo. Muitos dos empregados do NEV recebem uma parte do salário no início do mês e outra ao dia 20. É este pagamento que está em falta, nomeadamente de gestores intermédios.
Segundo a "Bloomberg", vários fornecedores começaram a retirar o pessoal próprio que tinham a trabalhar nas fábricas da NEV em Guangzhou e Xangai, onde estão localizadas as unidades de produção de automóveis do grupo Evergrande, quando este começou a falhar os pagamentos das maquinarias, em julho.
Empresa vendeu 1,4 milhões de apartamentos em construção
A crise de liquidez é extensiva a todo o negócio da Evergrande. Segundo o jornal norte-americano "Wall Street Journal", a empresa "deve largas somas de dinheiro" a fornecedores de materiais de construção e aos subcontratados que constroem os complexos residenciais, 800 dos quais estão ainda em construção.
Com empreendimentos construídos em todas as 23 províncias chinesas, em mais de 200 cidades, a Evergrande era, recentemente, a maior empresa imobiliária chinesa com um valor contratualizado de 94 mil milhões de euros em vendas.
Muitos dos compradores fizeram avultados pagamentos em dinheiro, alguns na totalidade, por casas que deviam ficar prontas dentro de alguns anos. A Evergrande alienou em pré-venda 1,4 milhões de apartamentos em construção, avaliados em 200 mil milhões de euros, de acordo com uma estimativa da "Capital Economics", uma empresa de consultadoria financeira sediada em Londres, no Reino Unido.
Evergrande é a ponta visível de um problema 10 vezes maior
A dívida da Evergrande, cerca de 260 mil milhões de euros, dos quais perto de 80 mil milhões em juros de empréstimos obrigacionistas, pode ser apenas a ponta de um icebergue que ameaça a economia chinesa.
O banco UBS, curiosamente um dos três principais investidores da Evergrande, estima que haja 10 grupos imobiliários chineses com posições potencialmente perigosas, que representam um volume de vendas de 209,7 biliões de libras esterlinas, cerca de 244 biliões de euros, quase 10 vezes o tamanho do problema da Evergrande (260 mil milhões de euros).
"Nunca houve nada como isto ao nível da Evergrande. Temos de esperar para ver, nos próximos 10 dias ou isso, para ver o que vai sair daqui", disse Howe Chung Wan, responsável perlo mercado asiático na "Principal Global Investors", em Singapura, citado pelo jornal britânico "The Guardian".
O regulador financeiro chinês, o Comité para a Estabilidade e Desenvolvimento Financeiro, sugeriu às autoridades provinciais, no início do mês, que se mantenham atentas à evolução da instabilidade económica e social que brotar da crise da Evergrande, avança o "Wall Street Journal".
Para conter a lava derramada, o banco central chinês injetou cerca de 60 mil milhões de euros no mercado financeiro chinês durante esta semana. No âmago das preocupações de Pequim está a risco de contaminação da economia, com consequência económicas e sociais potencialmente graves, uma vez que o setor do imobiliário representa 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês.
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China prepara-se para a tormenta mas Europa olha para o lado
O "The Wall Street Journal" noticiou, esta sexta-feira, que o governo chinês parece estar sem vontade de resgatar a empresa e está a pedir às autoridades locais do país que se preparem para "uma possível tormenta", mas o resto do Mundo não parece preocupado com as nuvens negras que pairam sobre o mercado chinês e asiático.
"Acho que não vai correr muito mal", disse o vice-governador do Banco de Inglaterra, Sam Woods. "Estou cautelosamente otimista. Acho que as autoridades chinesas vão encontrar uma solução que vai evitar problemas de maior", acrescentou, em declarações ao "Asia Markets", um site especializado em noticiário económico asiático.
O "Velho Continente", desde janeiro separada das ilhas britânicas, parece também tranquilo. "Na Europa e na área do euro em particular, a exposição direta à Evergrande seria limitada", disse a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, em entrevista ao canal de notícias norte-americano CNBC, relativizando o impacto que uma possível falência do ultra endividado gigante imobiliário chinês poderá ter para a economia comunitária.