Transgressões e perigos: o "outro Mundo" das orgias alimentadas a drogas em Bordéus
Na cidade francesa de Bordéus, são várias as pessoas que participam em orgias homossexuais alimentadas por drogas para melhorar o prazer e o desempenho sexual. À agência France-Presse, descreveram que as sessões de sexo em grupo podem durar dias.
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“O sexo é uma loucura, totalmente desenfreado, o que, claro, se deve em parte às drogas, mas também porque pode realizar todas as suas fantasias”, disse David, um psicólogo de 54 anos que está num relacionamento há dois anos, mas que já está envolvido nestas atividades há 15. "O sexo não precisa ser limitado a duas pessoas. Há todo um lado fantasioso e transgressor que me excita. É como se estivesse num filme pornográfico".
A maioria dos participantes reúne-se online, com sessões que muitas vezes envolvem vários parceiros e que acontecem nas casas da pessoas. Segundo David, os anfitriões das sessões, que são filmadas e transmitidas, monitorizam o que os convidados fazem. "Tiramos a roupa quando chegamos e vamos diretos para a ação”, explicou. Foi uma "abertura para mim depois da minha educação religiosa, onde a ideia de fazer parte de um casal foi-me incutida pela minha família", acrescentou.
Já Hugo (nome fictício), funcionário de um supermercado, recordou que se sentiu como uma "criança na Disneyland" no seu primeiro fim de semana de sessão. “Estava numa nuvem, noutro Mundo. Ficamos maravilhados com isto. Conversamos, fazemos sexo com os homens mais bonitos, ultrapassamos os limites e não há julgamento. Ninguém te critica", disse o homem de 42 anos. "Estava viciado na atmosfera. Foi tudo em que pensei durante toda a semana, à espera da chegada de sexta-feira. Era como ir ao cassino, eu precisava da minha agitação".
Segundo um relatório de 2022 para o governo francês, o fenómeno pode envolver até “um quinto dos homens que têm relações sexuais com pessoas do mesmo sexo. Nove em cada dez pessoas que participam nas sessões de orgias são homossexuais, de acordo com a instituição de caridade francesa de saúde sexual Aides. No entanto, especialistas dizem que o uso sexualizado de drogas também acontece entre os "swingers" heterossexuais e nas festas "rave".
Regras e riscos
Estas orgias alimentadas a drogas também têm riscos consideráveis, alguns deles mortais. Só em Bordéus, que tem menos de 250 mil habitantes, cinco pessoas tiveram uma overdose numa destas sessões durante um período de oito semanas este ano. Três morreram.
Em declarações à AFP, a procuradora Frederique Porterie afirmou que a polícia está a investigar se as mortes foram “uma infeliz coincidência ou se há uma substância particularmente tóxica em circulação”.
Frequentemente comprados pela internet, os medicamentos são difíceis de monitorizar. Metanfetaminas como 3-MMC e 4-MEC aumentam a excitação enquanto inibem a ejaculação e podem manter os utilizadores acordados durante dias. A cetamina cria uma sensação de euforia e o GBL transforma-se no relaxante, tendo um efeito desinibidor. “O consumo destas drogas está a tornar-se mais generalizado. Geralmente vêm dos Países Baixos e é possível comprá-las através da darknet", disse uma fonte policial à AFP.
Alguns usam as drogas para ajudar a superar problemas com sexo grupal e a sua própria homossexualidade. Para outros, os problemas começam quando se trata dos efeitos que as drogas têm sobre eles, embora haja regras, como a proibição do álcool, que pode ser perigoso se misturado com algumas drogas. Para além do risco de overdose e de contrair doenças sexualmente transmissíveis, as sessões também têm sido associadas a depressão, paranoia, ansiedade e fadiga intensa.
Jean-Michel Delile, especialista em toxicodependência e psiquiatra, afirmou que as pessoas que tendem a praticar orgias não são típicas consumidoras de drogas, pelo que "subestimam o perigo e o risco de ficarem viciadas".
“Conheço sete pessoas em Bordéus cujas mortes estiveram mais ou menos diretamente ligadas às drogas e às orgias nos últimos cinco anos, seja por overdose ou suicídio”, disse Alexandre, ex-gerente de uma discoteca que ainda ocasionalmente participa nas sessões. “Assim que preenche a caixinha do prazer, o cérebro quer mais e está pronto para sacrificar o trabalho e mentir à família para consegui-lo”.
É preciso monitorizar
É por isso que as ONG de saúde afirmam que é fundamental que os participantes tenham apoio, a quem recorrer, e que existam monitores digitais disponíveis online, onde se reúnem para os alertar sobre os perigos.
“A Justiça salvou minha vida”, admitiu Hugo, que teve de usar pulseira eletrónica após ser apanhado com drogas. "Só isso me poderia parar, dado o que eu estava a tomar para continuar três dias sem parar".
Também David e o parceiro Julien, de 42 anos, "se acalmaram" depois de receberem apoio de uma instituição de caridade para redução do risco de drogas. “Talvez tenhamos sido um pouco excessivos”, reconheceu David. "Voltamos aos prazeres mais básicos, aproveitando a vida de outras formas. Em vez de gastar 300 euros em drogas, agora presenteámo-nos com uma viagem a Barcelona".