Além da emergência humanitária, a preservação da cultura ucraniana foi uma das linhas de combate do governo de Kiev. O património cultural ameaçado foi alvo de várias manobras políticas e culturais ao longo do último ano.
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Desde a invasão russa, os ucranianos entraram em emergência contra o apagamento da sua identidade cultural. No lado artesanal e mais visível, correram para tentar proteger monumentos e edifícios com sacos de areia e barricadas. A Ucrânia acusou a Rússia de quase 500 crimes de guerra contra o património cultural ucraniano, mas nem sempre a comunidade internacional corroborou esta contabilidade.
Outra das manobras foi política, com a tentativa de inscrição das cidades como Património Mundial. A agência cultural das Nações Unidas (UNESCO) adicionou em janeiro o centro histórico da cidade ucraniana de Odessa à Lista do Património Mundial, descrevendo como "o dever de toda a humanidade" de protegê-lo. Os 21 estados membros do comité patrimonial aprovaram a designação com seis votos a favor, um contra e 14 abstenções, o que prova que, nos assuntos da guerra, nem sempre as coisas são claras.
Esta distinção já tinha sido pedida pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em outubro. A cidade também foi adicionada à lista de patrimónios mundiais em perigo, o que a UNESCO garante "dá acesso a assistência técnica e financeira internacional reforçada" para protegê-la ou reabilitá-la.
Segundo as contas das autoridades ucranianas, desde o início da invasão foram "destruídos ou danificados 23 monumentos de importância nacional, 109 de importância local, 108 objetos que estavam em edifícios históricos e sete objetos do património cultural recentemente descobertos. Os ataques russos destruíram ou danificaram 361 objetos de arte e instituições culturais", acusou Kiev.
Mas, no último relatório da UNESCO, do final do verão, a contabilidade foi distinta, com 170 monumentos e sítios históricos do património cultural ucraniano, atingidos pela guerra. Entre elas estavam as igrejas da Natividade e da Santíssima Trindade, em Kiev, o Memorial do Holocausto, em Kharkiv, o Museu de Belas Artes de Odessa, e os museus de Mariupol e Melitopol, ambos sujeitos a destruição e saque.
No âmbito da museologia, outro dos fenómenos foi o da renomeação, quando a National Gallery, em Londres decidiu mudar o nome da obra do francês, Edgar Degas de "Russian dancers" para "Ukrainian dancers", em abril, inúmeras instituições repensaram as designações. Um dos últimos episódios decorreu a semana passada no MET, em Nova Iorque com a renacionalização de três artistas: Ivan Aivazovsky, Arkhyp Kuindzhi, and Ilya Repin - do século XIX, que passaram de russos a ucranianos. A instituição defendeu que era uma entropia recorrente e dependia dos curadores, pois na época as fronteiras eram muito voláteis.
Cultura de benefício e cancelamento
Várias instituições internacionais cortaram relações com a Rússia. Em resposta à guerra, o Museu Hermitage, de São Petersburgo, foi dos que mais sofreu com boicotes culturais. Entre as instituições internacionais que suspenderam os laços com a instituição estão a Hermitage Foundation U.K. e o Hermitage Amsterdam. Mikhail Piotrovsky, diretor da instituição, que não condenou publicamente a guerra, disse estar concentrado em estabelecer relações internacionais fora da Europa, com "a China, Dubai e Abu Dhabi".
Também a mítica leiloeira Sotheby's, em Londres, anunciou a proibição de compradores de arte da Rússia e boicotou também aqueles cuja riqueza provém do país. Com os novos regulamentos e a proibição de exportação de arte para a Rússia pelo Reino Unido, também a famosa casa de leilões alemã Ketterer Kunst interrompeu as relações com clientes russos.
Se, por um lado, houve uma cultura de cancelamentos e castigos, houve também uma cultura de benefícios. A Ernst von Siemens Art Foundation, em Berlim, estabeleceu um programa para curadores refugiados ucranianos por um ano. Várias instituições alemãs incluindo museus em Berlim, Dresden, Gotha, Lubeck Augsburg e Potsdam, alargaram a oferta oferecendo emprego, não só a curadores ucranianos como a russos, em perigo pelas suas posições públicas antiguerra.
O Kunstmuseum em Basel, na Suíça fez em dezembro, uma importante mostra com 31 artistas ucranianos da Kyiv National Art Gallery, a que chamou "Born in Ukraine". Também na Suíça, em Genebra, o Musee Rath tem patente, até abril, a exposição 'From Dusk to Dawn' apresentada pela Kyev National Art Gallery. O Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid, organizou em novembro, a mostra "In the eye of the storm: Modernism in Ukraine, 1900-1930s'".
Vários artistas responderam internacionalmente à invasão, uma delas foi Marina Abramović que decidiu reapresentar a performance "The artist is present", na Sean Kelly Gallery, em Nova Iorque. Todos os recursos arrecadados foram para a Direct Relief, na Ucrânia.
Depois de visitar a Ucrânia e ver a devastação, Banksy o elusivo artista de rua britânico anunciou a arrecadação de fundos para apoiar os civis afetados por meio da Fundação Legacy of War. Banksy criou um conjunto limitado de 50 serigrafias, e anunciou que o dinheiro seria usado para comprar novas ambulâncias, veículos de transporte, aquecedores e geradores vitais para sobreviver ao inverno.