Maior centro de voluntariado da Ucrânia abriu a 26 de março de 2022 em Odessa e recebe entre 500 a 700 famílias por dia.
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Entre os labirínticos corredores do edifício onde em tempos funcionara uma escola, naquele já tão longínquo início de 2022, Vitaly Ilchenko move-se num ritmo apressado, quase de olhos fechados. Conhece de cor cada divisão e sabe exatamente em que prateleira são guardadas as conservas, os eletrodomésticos, os cobertores e os medicamentos. É difícil acompanhar-lhe o ritmo. A curiosidade surge quase de imediato: quantos quilómetros fará por dia, entre as milhares de paletes do armazém improvisado? A resposta é uma incógnita, até porque no Hostynna Hata (em português, Casa Hospitaleira), o maior centro de voluntariado de toda a Ucrânia, não há dias iguais e quem marca o compasso são as centenas de famílias que ali vão bater. À semelhança de Vitaly, são pessoas que fugiram dos horrores da guerra e que agora precisam de ajuda para sobreviver.
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Há oito meses que o jovem de 20 anos conhece os cantos à casa. É mais um exemplo da resiliência ucraniana que se afirmou no último ano. Chegou a Odessa sem nada e, de refugiado, fez-se voluntário. "Cheguei à cidade e não sabia para onde ir. Encontrei um alojamento para o dia e vim cá buscar alguma mercearia. Estava sentado na receção, vi passar a Maryna e perguntei-lhe: Não precisa de ajuda? Ela respondeu que sim. Ficou com o meu número e, no dia a seguir, vim para cá". O ataque russo à estação ferroviária de Kramatorsk, que matou mais de 50 pessoas em abril do ano passado e que a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) considerou esta semana ter-se tratado de um crime de guerra, foi a gota de água para a segurança de Vitaly. Natural daquela cidade da região Donetsk, no leste do país, o rapaz pôs-se num comboio e percorreu mais de 600 quilómetros para sudoeste.
Pai combate, Vitaly ajuda
Com o pai a combater nas Forças Armadas, o jovem ucraniano tem a missão de ajudar a mãe e o avô que ficaram em Kramatorsk. "Telefono-lhes todos os dias e ajudo-os com produtos. Compro-lhes os medicamentos porque lá são muito caros. Estou um bocado preocupado com a minha família, mas para já está tudo bem", partilha num dos concorridos corredores do armazém. De postura firme e vestido de preto dos pés à cabeça, cumpre o trabalho diário com o brasão de Odessa ao peito. Faz o que é preciso. "Descarrego os carros e embalo os caixotes de farinha, de arroz ou de ervilhas. Ainda ajudo com a emissão da documentação para os refugiados, trago-lhes as caixas de mantimentos e por aí em diante".
Enquanto dezenas de voluntários acomodam os milhares de donativos que não param de chegar ao armazém, oferecidos pela população e por várias organizações humanitárias, um grupo recebe os beneficiários na sala da frente, transformada em receção. Todos têm uma função: uns distribuem as senhas e dão ordem de entrada, outros ouvem os pedidos e preenchem a documentação necessária e os demais encarregam-se de entregar os sacos com a comida, os agasalhos e os medicamentos. A máquina parece estar bem oleada, mas nem sempre foi assim. "Nenhum de nós tinha enfrentado isto antes da guerra e, por isso, ao início não sabíamos como seria, o que seria. Ficava tudo amontoado. Começámos a crescer e, em 11 meses, tornamo-nos o maior centro da Ucrânia", conta Maryna Semenyuk, com a voz imbuída de orgulho.
Máquina bem oleada
A azáfama toma conta da Hostynna Hata que, de acordo com a cofundadora, recebe entre 500 a 700 famílias por dia. "Cerca de 100 a 150 famílias são de Odessa, mas a principal urgência está nos refugiados. Vamos conseguindo de tudo. Se nascem crianças, temos berços e banheiras. As famílias vêm cá e dizem-nos o que precisam". Apesar de as tropas de Kiev terem libertado Kherson, a pouco mais de 200 quilómetros, a falta de condições na cidade e o inverno rigoroso motivou um novo fluxo de migrantes. É o caso de Zina.
Já está há dois meses na cidade portuária, mas é a primeira vez que se junta à longa fila no exterior do Hostynna Hata para pedir ajuda. Enquanto espera pela vez, balança o carrinho de bebé com cuidado para não acordar o filho. Mãe de uma menina de dez anos, a mulher com 35 deu à luz pela segunda vez em plena guerra e não poupa elogios aos médicos que a acompanharam. "Fizeram tudo e foi tudo gratuito. Não paguei um cêntimo durante toda a gravidez. Os médicos trabalharam durante toda a ocupação". Quando as tropas russas abandonaram Kherson, o filho tinha pouco mais de três meses e não se lembrará das semanas de pânico que a família viveu fechada em casa com medo dos bombardeamentos. Um atentado perto de casa levou-os, finalmente, a sair.
A fila anda a bom ritmo e em meia hora, Zina é atendida. Preenche a papelada e regressa para junto do marido com uma enorme caixa de cartão com o selo da Unicef. Traz bens essenciais para o rebento da família que entretanto acordou e balança, alegre, no colo do pai. "Alugamos um apartamento aqui, mas esperamos ir para casa em breve. Não queremos ir a mais lado nenhum. Os meus amigos foram para o estrangeiro e eu fiquei aqui quase sozinha. Vou esperar pela paz em Kherson e vou para casa".