Debate entre candidatos à presidência da Comissão Europeia aqueceu em torno do tema da defesa e da política externa, incluindo a imigração. Atual líder da Comissão, que se recandidata pelo PPE (centro-direita) deixou aviso a Benjamin Netanyahu, ainda que tenha recusado "linhas vermelhas".
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Os oito candidatos a presidente da Comissão Europeia juntaram-se, esta segunda-feira, na cidade de Maastricht, para o único debate no âmbito das eleições para o Parlamento Europeu. A discussão aqueceu quando se falou de política externa e defesa. E a favorita, Ursula von der Leyen, deixou um alerta relativamente à guerra em Gaza: seria “completamente inaceitável” que Israel atacasse Rafah, a cidade junto à fronteira com o Egipto que abriga centenas de milhares de refugiados palestinianos, fugidos dos bombardeamentos a norte. A acontecer, a União Europeia teria de atuar, disse, ainda que sem se comprometer com sanções em concreto.
A guerra no Médio Oriente foi levada para o debate pelo candidato da Esquerda Europeia (grupo que inclui os eurodeputados do BE e do PCP), depois de uma fase inicial de discussão do tema da segurança e da defesa mais centrada na invasão da Rússia à Ucrânia.
O comunista austríaco Walter Baier, que já tinha feito uma intervenção inicial em que perguntava quando haveria sanções da União Europeia sobre Israel – dando o exemplo, que elogiou, do castigo à Rússia, depois da invasão da Ucrânia - foi ignorado, mas decidiu insistir, usando o direito de cada candidato a lançar uma pergunta a um oponente e a forçar uma resposta.
A atual presidente da Comissão já não pôde ignorar o tema e respondeu que um ataque militar israelita a Rafah seria “completamente inaceitável”. E que, a acontecer, a Comissão Europeia teria de articular uma resposta com os líderes dos estados-membros.
Ursula pisca o olho a Meloni
Ursula von der Leyen é candidata em nome do Partido Popular Europeu (PPE, de que fazem parte PSD e CDS, que concorrem coligados na AD às eleições de 9 de junho) e clara favorita a renovar o mandato como líder da Comissão. Isto a julgar pelas sondagens que apontam para que seja de novo o grupo de centro-direita aquele que terá mais eurodeputados (175, menos dois do que em 2019, segundo o agregador de sondagens do jornal online “Politico”).
Sucede que o número de deputados do PPE não será suficiente para formar uma maioria no Parlamento Europeu e garantir a escolha do póximo líder da Comissão (que terá depois de ser ratificada pelo Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e Governo dos 27), mesmo com a junção do grupo dos socialistas e sociais-democratas (de que faz parte o PS, e para o qual se apontam 138 eleitos, também menos dois do que nas eleições de há cinco anos), com quem os entendimentos institucionais são habituais.
E essa terá sido a razão para uma outra declaração surpreendente de Ursula von der Leyen, sobre uma eventual colaboração com o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, que inclui vários partidos da nova direita radical, como o Vox (Espanha), mas também os Irmãos de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, que será a cabeça de lista do seu partido às europeias e tem mostrado, ao contrário do que seriam as expectativas, que a Itália continua a ser um país empenhado no projeto europeu.
Ainda que a candidata alemã do PPE tenha afirmado que não haverá qualquer colaboração com os partidos do grupo Identidade e Democracia (de que fazem parte o Chega, a União Nacional de Marine Le Pen, a Alternativa para a Alemanha, o Partido da Liberdade neerlandês ou a Liga italiana de Matteo Salvino), hesitou quanto ao outro grupo mais à Direita, quando questionada pelo candidato dos Verdes, o neerlandês Bas Eickhout: “vai depender da composição do Parlamento e de quem estiver em cada grupo”, disse von der Leyen.
O candidato dos socialistas e sociais-democratas, o luxemburguês Nicolas Schmit, não desperdiçou a oportunidade de atacar a presidente da Comissão Europeia: “estou um pouco surpreendido, alguns desses partidos não respeitam direitos fundamentais”, dando o exemplo das perseguições à comunidade LGBTQ.
Direita radical no “bolso” de Putin
O candidato a presidente da Comissão Europeia pelos Conservadores e Reformistas não rebateu, porque não existe. Foi o único dos grandes (e pequenos) grupos partidários europeus que não esteve representado no “Debate de Maastricht” (a cidade dos Países Baixos em que se negociou o tratado com o mesmo nome e que deu origem ao que hoje conhecemos como União Europeia).
O candidato mais próximo dessa área política foi Anders Vistisen, o dinamarquês do Partido do Povo, que representou a Identidade e Democracia. Foi talvez o grande protagonista do debate. Pelas posições radicais e por ter sido o alvo preferido de quase todos os outros (se excluirmos a atual presidente da Comissão, a quem foram dirigidas todas as perguntas que cada candidato podia fazer por sua iniciativa).
O primeiro momento de destaque do candidato de André Ventura (o Chega fará parte deste grupo de direita radical do Parlamento Europeu) foi quando se discutiram as políticas de defesa e de segurança. Porque foi constantemente associado ao regime autocrático russo – Ursula von der Leyen chegou a dizer que Putin tem “no bolso” vários membros do grupo Identidade e Democracia; porque foi confrontado com as suspeitas de espionagem a favor dos chineses, por parte de elementos da AfD alemã; mas também por acusar os principais partidos europeus de usarem a guerra na Ucrânia como “camuflagem” para abolir o “direito de veto” no Conselho Europeu e, dessa forma, retirar a soberania que resta a cada um dos estados-membros.
Acresce que o segmento da defesa e da segurança incluiu questões sobre o fenómeno da imigração – uma associação que Bas Eickhout, o candidato dos Verdes (onde está integrado o Livre), criticou às moderadoras do debate – e o candidato da direita radical não perdeu a oportunidade de aludir a uma invasão de milhões de imigrantes ilegais, defendendo a adoção, por parte da União Europeia, do que chamou “modelo australiano”, ou seja, se um imigrante entrar ilegalmente, nunca terá acesso a um visto de residência. "Isso resolveria 90% dos problemas de imigração ilegal na Alemanha", argumentou Vistisen.
Nicolas Schmit, o candidato dos socialistas e sociais-democratas admitiu que é preciso lutar contra os traficantes de pessoas (secundando a única prioridade apontada por Ursula von der Leyen), mas acrescentou que a UE também tem de manter nas suas prioridades o respeito pelos direitos humanos. E lamentou que a “extrema-direita tenha transformado a questão da imigração num assunto tóxico”.