Vida difícil para os direitos humanos. E pode piorar... Despejos, crianças e abusos na mira
Amnistia Internacional aponta violações por parte de vários países europeus, cujos governos intensificam a repressão e minam o sistema judicial. Alerta para cenário pós-pandémico.
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Não é exatamente uma novidade, e é grave precisamente por isso. Os direitos humanos continuam a ser violados por vários governos europeus, que têm vindo a reprimir as iniciativas de protesto com força cada vez mais intensa e a tentar minar a independência do sistema judicial, de modo a tornar eventuais acusações de má conduta menos exequíveis. A conclusão é da Amnistia Internacional, plasmada no relatório anual da organização não-governamental relativo à Europa, que alerta para a incerteza do pós-pandemia.
"No ano passado, as pessoas foram ameaçadas, intimidadas, perseguidas, sujeitas ao uso excessivo da força por parte da Polícia e discriminadas. No entanto, a corajosa mobilização popular, que se atreveu a impor-se e a exigir contas aos estados, providencia um raio de esperança para os tempos vindouros", afirma Marie Struthers, diretora da Amnistia Internacional para a Europa.
Até pode haver motivos para algum otimismo, mas, para já, não faltam exemplos para alimentar o ceticismo. Na Polónia, a independência do sistema judicial foi ameaçada pelas intenções do Governo em controlar juízes e tribunais. Magistrados e procuradores foram, inclusive, alvo de campanhas difamatórias nos média estatais e nas redes sociais.
Roménia, Turquia e Hungria - onde, a propósito da pandemia de Covid-19, o Executivo de Viktor Orbán está a governar com poder praticamente absoluto - são outros países onde a Justiça tem sofrido tratos de polé.
E, mais do que nunca, são necessários tribunais independentes. Para, por exemplo, salvaguardar a liberdade individual dos que saem à rua para contestar quem os governa. Não muito surpreendentemente, Polónia, Roménia, Turquia e Hungria repetem a presença. Agora, no que diz respeito à repressão de manifestações. Estão acompanhados pela França, Áustria, República Checa, Espanha e Rússia, com os executivos a utilizarem diversas formas de tentar silenciar a insatisfação.
No caso concreto dos russos, Struthers salienta que "as represálias contra os participantes em manifestações em Moscovo espoletaram uma campanha de solidariedade inédita no país, o que indica uma maior noção da importância dos direitos humanos e do poder popular na Rússia".
Países europeus
Por outro lado, vários países europeus têm permitido violações dos direitos humanos ao abrigo de bastante questionáveis políticas de migração, em que a cooperação com a Líbia não é exemplo de somenos. Itália até já estendeu o acordo, por três anos, com aquele país africano, que tem entre as proezas a tortura de refugiados em centros de detenção.
E a Turquia de novo. O Governo de Ancara deportou centenas de sírios sob a capa de "regressos voluntários", saturando, ao mesmo tempo, as ilhas gregas do mar Egeu de milhares de pessoas a viver em condições subhumanas.
Em 2019, a pressão também não foi branda sobre outros agentes que vigiam os passos dos estados. "Jornalistas, organizações não-governamentais, defensores dos direitos humanos e outras pessoas que promovem sociedades mais justas e igualitárias estiveram todos sob um escrutínio mais duro por parte do poder", refere a responsável.
"O trabalho deles de "vigiar" e exigir responsabilidades às autoridades será muito mais vital durante e após a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. A humanidade e a solidariedade que eles mostram em relação aos mais marginalizados serão precisos mais do que nunca."
Portugal
Em relação a Portugal, o relatório da Amnistia Internacional salienta que, apesar da aprovação de legislação relativa à salvaguarda do direito à habitação, os despejos forçados continuam por criminalizar. No documento, também é referida a "preocupação com a deterioração da qualidade de vida das crianças mais pobres ou em risco de pobreza", com particular ênfase nas de etnia cigana e de ascendência africana. Nesse sentido, é recomendado que Portugal reforce as medidas que permitam assegurar habitação condigna àquelas crianças. Além disso, o relatório alerta que há crianças com deficiência que não estão a receber o apoio a que têm direito. Também é destacada a falta de entidades totalmente independentes para investigar alegados abusos por parte das forças de segurança.
Detalhes
Intolerância e morte
O presidente da Câmara de Gdansk, na Polónia, Pawel Adamowicz, apoiante dos direitos dos migrantes e LGBTI, foi assassinado à facada num evento solidário. Na Alemanha, em Kassel, o autarca Walter Lübcke foi morto a tiro devido ao apoio às políticas de acolhimento dos refugiados.
Caminhos opostos
Após uma longa espera, o aborto foi descriminalizado na Irlanda do Norte. Em sentido contrário, na Eslováquia, o Parlamento restringiu o acesso à interrupção voluntária da gravidez e criminalizou-a.