Borges Nhamirre: "Se houvesse justiça nestas eleições, diria que a UNITA podia ganhar"
Borges Nhamirre, autor do relatório do Instituto de Estudos de Segurança da África do Sul sobre as eleições em Angola, descreve um resultado pessimista e violento com a vitória de qualquer um dos principais oponentes - o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), no poder até hoje, e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), líder da oposição.
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Assistimos a eleições livres e justas?
O controlo dos média é importante para fazer aquilo que podemos chamar de campo político muito inclinado a favor do MPLA. Se os jornais e os principais canais de televisão simplesmente falam do MPLA e não dão espaço aos outros partidos concorrentes, isso já forma a opinião pública a favor do MPLA. Mas não é suficiente. O maior controlo que o MPLA tem sobre o Estado é, por exemplo, no Tribunal Constitucional - que tem o papel de exercer as funções do Tribunal Eleitoral. A juíza que dirige o Tribunal Constitucional é membro do MPLA. Num julgamento mais honesto possível, alguém pode acreditar que uma pessoa que há poucos anos era do poder político do MPLA é capaz de tomar uma decisão equidistante que possa prejudicar o MPLA num eventual recurso? Obviamente que não.
A pessoa que dirige a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) é contestada pela oposição e pela sociedade civil, pelo que fez recentemente na comissão provincial de eleições de Luanda. E essa mesma pessoa foi movida para ser presidente? Mais uma vez, quem é que acredita que a CNE vai tomar decisões equidistantes e imparciais?
Além disso, Angola deve ser o único país do mundo onde o recenseamento eleitoral é dirigido por um ministério, e não por uma comissão eleitoral independente. E mais: a recusa de observadores, a recusa de contagem paralela... Uma contagem paralela a quem beneficiaria? Obviamente que beneficiaria a oposição.
E ainda não falamos das forças de defesa e policiais que estão ao serviço do MPLA. Quem garante a segurança do candidato do MPLA? Não é segurança privada, é do Estado. E essas são as mesmas pessoas que carregam material eleitoral, sem nenhuma transparência. Como a contratação da Indra [empresa espanhola a gerir o processo eleitoral], sem nenhuma auditoria. A lista dos eleitores não foi auditada, como manda a lei. Como é que as pessoas podem acreditar na genuidade destes dados todos?
Todos estes elementos de um campo político inclinado e de manipulação das instituições do Estado permitem que o MPLA escolha o resultado com que quer ganhar. O presidente João Lourenço vai dizer 'bom, na primeira eleição eu ganhei com 61%, eu não posso baixar muito senão vai parecer que perdi a popularidade'. Então fixa o resultado. A oposição recorre, o tribunal não aprova. Este é um cenário, eu sei, pessimista, mas infelizmente, daquilo que nós estudamos, desenhamos esse cenário. Obviamente que temos outro cenário que achamos que é improvável, mas é um cenário a considerar.
A UNITA pode vencer?
A UNITA, efetivamente, renovou-se. A UNITA, pela primeira vez, permitiu que outros membros da oposição, incluindo dissidentes do MPLA, ingressassem na sua lista. O número dois da lista da UNITA, Abel Chivukuvuku, não podia imaginar-se que estivesse lá, porque saiu da própria UNITA. Mas está lá. Então, tudo isso permite que a candidatura da UNITA seja uma candidatura de Angola, e não uma candidatura partidária, que seja uma coligação do ponto de vista imaterial. O Bloco Democrático também está lá. O próprio líder da UNITA, acho que nunca vi um político angolano tão carismático.
Se houvesse justiça nestas eleições, diria que a UNITA podia ganhar. Tem reais possibilidades de ganhar com margem mínima, porque é muito difícil remover do poder um presidente que está a renovar um mandato, que tem o controlo da máquina estatal, que paga salários às pessoas que estão a organizar as eleições e aos juízes. A separação de poderes em Angola, e um pouco por toda os países da África Subsaariana, é muito ténue. Eu diria que não tem grandes possibilidades, mas pelo menos uma possibilidade de ganhar com margem mínima tem (de 51%, 52%, 53%) - uma eleição renhida como a que vimos no Quénia.
É expectável violência pós-eleitoral, à semelhança da disputa de 1992?
Em termos de dimensão e proporção não pode chegar aos níveis de 1992. Nessa altura havia grupos beligerantes que acabavam de sair de uma guerra, com as suas armas e os seus militares mobilizados. Hoje os grupos já não existem, é só uma força do Estado. Então não se prevê, de imediato, violência com as dimensões de 1992.
Agora, conflito pós-eleitoral penso que é muito provável. Um conflito com alguma violência que pode ser caracterizado, como descrevemos no estudo, por marchas de repúdio e contestação às eleições. E se a polícia e as forças armadas de Angola não tiverem uma atitude republicana, e partirem para a violência contra estas pessoas que se manifestarem politicamente contestando eventuais resultados negativos, aí pode haver uma situação de violência generalizada. E não há nenhuma polícia com capacidade de parar um povo muito frustrado e humilhado.
A violência não se faz com armas só, faz-se com paus e catanas, e pessoas, acima de tudo, frustradas. Aliás, a contestação pode começar logo durante a contagem dos resultados, se a polícia não permitir que as pessoas fiquem nas imediações das assembleias de voto. E aí dependerá muito de como a polícia irá responder. Se a polícia tentar conter os ânimos e deixar que as pessoas se expressem, aí sim eu penso que a situação se controla com tempo. Os próprios angolanos vivem numa economia pobre, as pessoas não têm capacidade para ficar na rua a manifestar-se muito tempo porque têm de trabalhar para alimentar as suas famílias. É deixar a manifestação abafar-se por si mesma.
Em que sondagens podemos confiar?
Não há sondagens sérias em Angola. Muitas vezes, as sondagens são feitas nas redes sociais, não há uma amostra clara e não respeitam o mínimo dos padrões metodológicos. Foi aprovada uma lei que proíbe sondagens, e depois apareceram sondagens feitas no Brasil, de uma empresa desconhecida que também não tem nenhuma credibilidade. Tenho sérias dificuldades em recomendar uma sondagem credível: uma dava uma vitória muito ampla e inimaginável para a UNITA; outra dava uma vitória muito alta ao MPLA. Mas nem é pelos resultados, é pela margem de erro e pelo nível da amostra. Os métodos que usaram não são credíveis.
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