
Boris Johnson
Parliament TV/REUTERS
A votação foi o que se previa, mas o dia acabou num caldinho de surpresas inesperadas. Depois de o Governo conservador de Boris Johnson perder a curtíssima maioria absoluta de um deputado na Câmara dos Comuns, viu várias mãos cheias de rebeldes das suas fileiras votarem contra si e a ideia de um divórcio litigioso com a União Europeia (UE). Foi a primeira votação parlamentar de Johnson... e a primeira derrota, por 328 contra 301. Irado, vai pedir eleições.
A moção pedindo o debate de uma lei impedido um Brexit duro saiu vencedora, permitindo aos deputados definirem a agenda de hoje (que competiria ao Governo) e encaixar nela a votação "lei Benn". Aprovada, obrigará Londres a pedir um novo adiamento do Brexit se não encontrar um acordo satisfatório com Bruxelas ou se o Parlamento não aceitar uma saída sem acordo ("no deal"). E levará Johnson a pedir eleições que a oposição só aceita depois de garantido que o país não deixa a UE sem acordo.
Para lá dos ferozes ataques - de todos os lados - ao primeiro-ministro, o deputado conservador Philip Lee foi o protagonista do dia: levantou-se da bancada tory, atravessou a sala e sentou-se na do Partido Liberal Democrata (lib-dem), enquanto Johnson tentava, num discurso igual a si próprio, defender a sua gestão do Brexit - que cada vez mais parece um cenário de aparências para criar a ideia de que a Europa é que está a forçar a saída sem acordo por recusar ceder.
Escreve-se na imprensa que é tudo a fingir e não há negociações em curso. E ouve-se, de fontes de Bruxelas, que efetivamente ali não chegou nada de Londres ("silêncio rádio total" é a expressão") desde que Johnson esteve em França, no G7, a garantir que almejava um divórcio amigável, que acreditava nele e que tinha alternativas à alternativa de manter parte do Reino Unido no mercado único para evitar uma fronteira entre Irlandas.
expulsões
Lee fintou assim a ameaça do primeiro-ministro de impedir os tories rebeldes (que se rebelaram porque Johnson suspendeu o Parlamento de 9 de setembro a 14 de outubro para evitar um voto como o de hoje, ou como um que já antes determinara a opoisção à saída sem acordo) de se apresentarem a eleições antecipadas.
Saiu pelo seu próprio pé, acusando o Partido Conservador de não ser aquele a que se juntou em 1992 e o Governo de Johnson de pretender um Brexit "agressivo" e lesivo para a economia e a unidade do Reino Unido.
Antes deles, Alistair Burt dispensara alinhar em listas conservadoras. Outros - os 21 que votaram contra Johnson e os que se abstiveram - sabem que podem ser postos de parte. Entre eles, nada mais do que o neto de Winston Churchill, Nicholas Soames. Um rebelde com causa: já o avó trocara de bancada, como Lee, num arrufo pré-segunda guerra.
"Rendição", diz Boris
De nada valeu o esforço de Johnson para convencer os rebeldes. Convocara-os ao n.o 10 de Downing Street pela manhã e dedicara a sua intervenção a acusar quem votasse na moção de estar a votar no "acordo de rendição de Jeremy Corbyn", o líder do Partido Trabalhista. Uma rendição porque entende que votar a lei Benn é obrigar Londres "a pedinchar" um adiamento e vergar-se às condições impostas por Bruxelas. "É erguer a bandeira branca", disse Johnson, garantindo: "Não aceitarei isso em nenhuma circunstância".
Horas depois, confrontado no debate, garantia que o Governo respeitaria a lei Benn se for aprovada. Um discurso de contradições que vem sendo habitual. Porque a ideia seria mesmo provocar eleições que alega não querer mas que podem ser a sua melhor saída: os tories têm 33% das intenções de voto nas sondagens, longe à frente dos tabalhistas e dos lib-dem (21% cada).
Ora, com uma campanha focada na saída impreterível a 31 de outubro, "sem ses nem mas", o líder conservador pode conquistar votos ao Partido do Brexit, que tem 14% das intenções. Ou pode mesmo associar-se-lhe. Aí, avisou Nick Boles, tory desertor, seria fazer dos conservadores o novo Partido Nacionalista britânico. De extrema-direita.
