Funcionários dizem que perderam um terço do pessoal desde 2001 e relatam aumento da conflitualidade entre os utentes.
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O ato de agendar o pedido ou a renovação do cartão de cidadão implica uma espera superior a três meses em alguns territórios do país, com especial delonga na Área Metropolitana de Lisboa, onde a maioria dos concelhos já não tem datas disponíveis para agendamento. O sindicato avisa que o quadro de pessoal diminuiu 35% em 20 anos e que têm aumentado os episódios de agressões a funcionários por parte de utentes em desespero.
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As vagas disponibilizadas pelo Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) no portal do agendamento online só vão até outubro, mas já estão todas preenchidas em 17 dos 18 concelhos da Área Metropolitana de Lisboa. Quem mora em Gondomar, Paredes e Trofa, na Área Metropolitana do Porto, também só vai poder agendar para depois de 1 de novembro.
Para Arménio Maximino, do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN), a demora "deve-se à falta de recursos humanos, pois temos um défice de mais de 30% do efetivo e não existe capacidade para dar resposta à procura". Em 2001, estavam ao serviço 5282 oficiais de registo, mas o número tem vindo a diminuir e, no final de 2020, já só havia 3447, o que representa uma quebra de 35%.
chegam às 5 da manhã
"Não entra um único funcionário há mais de 20 anos, esta é a razão das filas e vai piorar", alerta Arménio Maximino, que relata ainda a escalada da violência dos utentes sobre os trabalhadores: "Na maior parte das conservatórias, as pessoas vão às cinco e seis da manhã, à espera que haja uma desistência. Depois, fazem pressão, há insultos e agressões, há colegas que têm ficado magoados, e isto não devia acontecer. Nos primeiros dias de agosto, as filas têm sido agravadas com os pedidos dos emigrantes".
Ontem, em Vila Nova de Famalicão, várias pessoas desesperavam por uma vaga para o atendimento presencial na Loja do Cidadão. À porta, Augusto Oliveira e Maria Ferreira, emigrantes na Alemanha, discutiam com o funcionário, porque não conseguiram fazer um cartão do cidadão novo.
"A marcação era para revalidar, mas como eu não tenho os códigos, tem de ser o serviço de novo cartão de cidadão", lamentou-se ao JN Augusto Oliveira, que recebeu ordem para esperar por uma vaga na fila: "Podemos estar aqui todo o dia e não sermos atendidos, está a funcionar muito mal".
murros e pontapés
No Barreiro e na Amadora, na semana passada, o desespero acabou em violência. Segundo o presidente do STRN, os funcionários "foram agredidos a murro e pontapé por pessoas que forçaram a entrada na conservatória e exigiram ser atendidas". Foi chamada a PSP e um funcionário recebeu assistência hospitalar.
O Ministério da Justiça lembra que "a luta contra a pandemia implicou e ainda implica a adoção de um conjunto alargado de medidas de saúde pública, que, em vários momentos, obrigou, mesmo, ao encerramento dos serviços", para além de que ainda existem "limitações em termos de distanciamento dos postos de atendimento". O Governo admite que nas zonas mais povoadas "a pressão sobre os serviços é maior", mas prevê que "o fluxo de atendimento tenderá a retomar o normal".
O mesmo ministério estima que a renovação automática vai permitir que o serviço esteja normalizado "até ao final do ano". No entanto, Arménio Maximino prevê que as filas vão piorar devido ao aumento do trabalho com a nova lei da nacionalidade, com o novo Balcão Único do Prédio e com as novas competências advindas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
DECISÃO
Atendimento presencial abriu, mas Governo sugere que se agende
Embora esteja indisponível em grande parte dos concelhos mais populosos do país, o agendamento prévio do atendimento presencial foi recomendado pelo Governo a 14 de junho. Nesse dia, foi reaberta a possibilidade de atendimento sem marcação, mas dois meses depois continua a ser impossível conseguir uma vaga, pois os funcionários estão ocupados com quem agendou previamente o atendimento. "A abertura do atendimento espontâneo, sem marcação, foi uma estupidez, na medida em que as conservatórias têm tudo preenchido com o agendamento", conclui Arménio Maximino. O presidente do STRN fala em "rutura completa" dos serviços, que não conseguem dar resposta a utentes que aparecem sem marcação. Quando o atendimento sem marcação foi reaberto, o Ministério da Justiça já previa que pudesse existir "uma menor disponibilidade" em "alguns serviços de registo", pois é dada prioridade a quem agendou previamente.