Projeto arrancou em 2012 no Centro Hospitalar do Porto e recebe cerca de um exemplar por mês. Objetivo é ajudar a fazer investigação.
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É no labiríntico Hospital de Santo António que está guardado um dos tesouros mais valiosos da investigação científica em Portugal. Na sala de autópsias, no piso zero, alunos e internos de diferentes áreas da Medicina assistem a uma "aula" única. Um corte diagnóstico de um cérebro doado ao Banco Português de Cérebros (BPC) no início do ano.
Ricardo Taipa, neurologista e coordenador do banco, ouve o contexto clínico da doente que acompanhou em vida e que decidiu doar o órgão à ciência. Um ato "extremamente altruísta" que pode ajudar a descobrir a cura e o tratamento para as doenças neurodegenerativas.
O médico explica ao JN que quando um cérebro é doado, uma metade é congelada e a outra metade é cortada, armazenada, colocada em parafina, para depois ser novamente cortada em lâminas muito finas. O último passo é a análise ao microscópio, onde é feito o diagnóstico final da doença. "Um diagnóstico de um cérebro acaba por demorar dois meses, quando se podia fazer em metade do tempo", aponta Melo Pires, responsável pela Unidade de Neuropatologia, onde funciona o banco, referindo-se à falta de pessoal.
Diretor à beira da reforma
O médico que trabalha no Hospital de Santo António desde 1986 recorda que o arranque do projeto-piloto, em 2012, "não foi nada fácil" devido à burocracia. Afinal, era a primeira vez que Portugal assistia à criação de um banco de cérebros humanos. Dois anos depois, a estrutura que funciona em parceria com a Universidade do Minho e o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) começou a trabalhar e hoje recebe cerca de um exemplar por mês.
"Estamos no limite da capacidade. Se ultrapassarmos esse número, isso vai criar-nos complicações logísticas, não só técnicas como burocráticas e administrativas", alerta o médico. Perto de atingir a idade da reforma, Melo Pires sublinha a necessidade de contratar mais gente, se não o banco "não vai aguentar".
Apesar das limitações que se refletem também na área geográfica dos dadores, que é reduzida devido à escassez de meios, o Banco Português de Cérebros serve todo o país para a investigação e tem parcerias com estruturas internacionais.
"Temos excelentes grupos de investigadores que não tinham acesso ao tecido humano e agora têm", nota Ricardo Taipa, que trouxe a ideia para Portugal após ter o internato em neurologia que fez em Manchester.
O médico admite que um dos objetivos futuros do banco é receber cérebros "saudáveis" porque só assim é possível distinguir o que é normal e anormal. A lacuna tem sido suprida por outros bancos que permitem fazer estudos de comparação.
A investigação é o objetivo central do Banco Português de Cérebros que colabora com outras estruturas internacionais semelhantes e com centros de investigação como o I3S, o Ipatimup e a Fundação Champalimaud.
Números
60 exemplares
No ano de arranque do projeto-piloto, em 2012, o banco recolheu oito cérebros. Atualmente, a coleção reúne mais de 60 exemplares com clínica bem caracterizada e documentada. Há cerca de 50 dadores vivos inscritos.
5 elementos
A equipa do único banco de cérebros em Portugal é composta por cinco elementos: dois neurologistas (o diretor e o coordenador), duas técnicas de anatomia patológica a tempo parcial e uma secretária.
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