No seguimento das acusações de assédio no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, conhecidos esta semana, o JN questionou onze universidades de norte a sul do país e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores para tentar perceber como estão a responder ao repto da ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, para que criassem códigos de conduta e canais internos de denúncia. Ninguém centraliza quantos existem, nem quantas queixas receberam.
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Lisboa
Na Universidade de Lisboa (UL) existem 20 canais de denúncia: um para cada uma das 18 faculdades, um para os serviços gerais e outro para os serviços de ação social, disse ao JN fonte do gabinete da reitoria. Cada unidade da universidade é responsável por responder às queixas que chegam até ao seu próprio canal. Desde que foi criado em julho de 2022, o canal da reitoria da UL não recebeu nenhuma queixa. A mesma fonte explicou que existem outros mecanismos internos em cada faculdade, criados inclusivamente antes de se tornarem públicas, em abril do ano passado, os casos de assédio e de discriminação dentro da FDUL.
Recorde-se que, em 11 dias, o Conselho Pedagógico da FDUL recebeu, em março de 2022, mais de 50 queixas de assédio sexual e discriminação que visavam 10% dos professores daquela faculdade. O relatório final foi enviado para o Ministério Público que o arquivou por serem denúncias anónimas. Na altura, a Faculdade criou um Gabinete de Apoio à Vítima, com um e-mail associado, que recebeu outras 10 queixas. Foram abertos três inquéritos, também arquivados. A reitoria decidiu ainda elaborar um código de conduta.
A Universidade NOVA de Lisboa adotou uma política de tolerância zero para comportamentos de má conduta e de qualquer tipo de assédio. Ao JN, fonte da reitoria desta instituição de ensino revelou que está a ser criado um canal de denúncia transversal à universidade "para dar resposta a possíveis situações de assédio, discriminação, intimidação e coação". Este será um acréscimo aos canais que as diferentes unidades orgânicas da NOVA já dispõem. Por agora, qualquer queixa recebida por algum destes canais internos é remetida à reitoria da Universidade que garante, de imediato, dar início à abertura de um processo disciplinar.
Paralelamente, estão também a ser criados um Código de Conduta e um Gabinete de Igualdade de Género e Inclusão. A reitoria prevê que estes novos instrumentos estejam em funcionamento ainda durante o primeiro semestre de 2023.
O Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) respondeu ao repto feito pela ministra Elvira Fortunato ao desenvolver, em agosto do ano passado, uma linha de denúncias. "Ainda em 2022 foi iniciado o procedimento de gestão do canal de denúncias que se encontra em fase de testes", revelou ao JN fonte do gabinete da reitoria, garantindo que "as denúncias rececionadas são sempre objeto de análise pelos órgãos competentes".
Ainda antes, em 2019, o ISCTE havia elaborado um Código de Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho que "estabelece um conjunto de princípios, no âmbito das atividades desenvolvidas da instituição, constituindo um instrumento auto regulador, bem como a expressão de uma política ativa de dar a conhecer, evitar, identificar, eliminar e punir situações e comportamentos suscetíveis de consubstanciar assédio no trabalho".
Porto
Criado em junho de 2022, o portal da denúncia da Universidade do Porto recebeu, até agora, 19 queixas e/ou reclamações validadas: cinco são sobre atos de assédio moral e/ou sexual e motivaram processos de inquérito, revelou, ao JN, a reitoria.
As denúncias são analisadas por uma comissão independente específica, constituída por seis membros da comunidade académica: dois docentes, dois técnicos e dois estudantes. A esta comissão cabe ainda a implementação da estratégia institucional de prevenção do assédio.
Coimbra
A Universidade de Coimbra tem desde junho de 2022 a plataforma denuncia.uc.pt, destinada a todos os membros da comunidade académica, que recebeu até agora duas participações de assédio moral: uma foi arquivada e a outra está em fase de instrução. No entanto, a reitoria apontou que "parte considerável dos reportes que chegam à plataforma de denúncia é considerada improducente por os/as denunciantes não fornecerem elementos suficientes e não responderem às tentativas de contacto posteriores".
Nenhum destes casos dizem respeito aos conhecidos esta semana, uma vez que o CES "é uma associação privada sem fins lucrativos, estatutária e juridicamente independente da Universidade de Coimbra", salientou a reitoria.
Para além da plataforma, a reitoria recordou que têm sido adotados outros mecanismos com vista ao combate do assédio, como "uma Carta de Princípios para a Igualdade, Equidade e Diversidade da UC, de um Plano para a Igualdade, Equidade e Diversidade da UC e de um Código de Conduta que explicita especificamente o que é assédio". A reitoria salvaguardou ainda que, em qualquer dos mecanismos de denúncia, caso hajam indícios suficientes, "é promovida a instauração de procedimento disciplinar e a participação às autoridades competentes".
A Associação Académica de Coimbra (AAC) anunciou, esta quarta-feira, que vai criar um gabinete de denúncias próprio disponibilizando aos estudantes um número de telemóvel direto, um formulário de denúncias, com a possibilidade de serem anónimas, na página oficial e um gabinete de atendimento presencial. O objetivo será, "além de facilitar o contacto direto com os estudantes, a resolução célere das diversas queixas que sejam fornecidas pelos estudantes, tal como questões de assédio moral, virtual ou sexual, comportamentos inapropriados para com minorias sociais, entre outros; com o encaminhamento às entidades competentes nos casos em que se mostre necessário", pode ler-se na nota enviada às redações.
Trás-os-Montes
Está em vigor desde março o Código de Boa Conduta para a Prevenção do Assédio na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), no qual a instituição assumiu a responsabilidade de adotar uma política de tolerância zero relativamente às práticas de assédio moral e sexual. Nos próximos seis meses, a reitoria irá elaborar uma Carta de Compromisso para definir as regras a adotar e estão previstas sanções para quem não as cumprir. As denúncias serão feitas à Comissão de Prevenção e Controlo de Assédio da UTAD através de um endereço eletrónico criado para o efeito.
De acordo com o documento, toda a comunidade académica deve ser informada sobre o código aquando na celebração de contratos de trabalho, na aquisição de bens e serviços, atribuição de bolsas, incluindo bolsas de estágio e nos processos de admissão de estudantes e/ou no ato da matrícula. O código deverá também ser divulgado dentro da UTAD, estando disponível na página oficial da instituição.
Évora
Na Universidade de Évora foi elaborada uma proposta de Código de Conduta para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho que está em consulta pública até 24 de maio deste ano. O documento irá estabelecer um conjunto de princípios e injunções que devem ser observados em todas as atividades desenvolvidas na UÉ. Ao JN, fonte oficial da universidade esclareceu que os estudantes podem reportar "qualquer situação anómala, independentemente da sua natureza", diretamente à reitoria, ao provedor do estudante, aos próprios diretores de curso ou a outras estruturas internas.
"Este Código será aplicado a todos os trabalhadores e trabalhadoras, estudantes e bolseiros da Universidade de Évora e é parte essencial de uma política de tolerância zero em relação ao assédio que, ativamente, pretende evitar, identificar, banir, punindo situações e comportamentos suscetíveis de consubstanciar assédio, em particular moral e sexual, por forma a criar um ambiente seguro, baseado na confiança, e a promoção do bem-estar geral", sublinha a mesma fonte.
Algarve
A propósito da lei que veio estabelecer, em 2021, a obrigatoriedade das instituições adotarem um regime para proteger os denunciantes, a Universidade do Algarve (UAlg) estabeleceu uma plataforma de denúncias (ualg.wiretrust.pt) para as mais diversas situações. Apenas uma das queixas que receberam foi "classificada pelo denunciante como assédio moral" e que está a "ser tratada de acordo com os procedimentos estabelecidos", garantiu fonte oficial da UAlg.
Questionada sobre o apoio que está a ser prestado a quem denunciou este caso, a mesma fonte esclareceu que "é recente e refere-se a aspetos pedagógicos que se encontram a ser averiguados", salvaguardando-o caso se verifique essa necessidade.
Minho
Após várias denúncias de assédio sexual por estudantes da Universidade do Minho (UM), em 2021, foi aberta uma linha que recebeu mais de 100 queixas. Na altura, os alunos manifestaram-se contra o alegado encobrimento dos abusos. As queixas visavam professores, funcionários e externos. Apenas uma das queixas foi formalizada no final desse ano. A reitoria acabou por mudar um funcionário de funções enquanto decorria o processo de averiguação.
Num comunicado enviado às redações, a Universidade do Minho afirmou que, "em alinhamento com a posição muito recentemente expressa pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP)", e reconhecendo que os instrumentos de que dispunha "não se revelavam suficientes para prevenir e acorrer às situações identificadas", criou "mecanismos para uma maior e mais continuada atenção, uma ação mais vigilante e mais sistemática, preventiva e reativa face às situações de violência no contexto académico".
Em dezembro de 2021, aos mecanismos que já existiam - código de conduta, conselho de ética e plano para a igualdade de género da universidade - juntou-se um grupo de missão com o objetivo de elaborar um documento com orientações para a prevenção e combate ao assédio, "cuja operacionalização está em curso". Foram ainda criadas espaços para a comunidade académica partilhar experiências e dificuldades, nomeadamente no que respeita a situações de discriminação e violência: uma provedoria institucional e outra do estudante.
A reitoria sublinhou ainda que, em conjunto com a Associação de Psicologia da Escola de Psicologia, foi criado um serviço de apoio a pessoas vítimas de violência, com profissionais qualificados, um endereço eletrónico para as denúncias de violência (crise-APsiUMinho@apsi.uminho.pt), bem como uma linha de apoio a momentos de crise psicológica (a SOS-Psi, através do número 253 144 420).
Madeira
A Universidade da Madeira (UMa) tem, desde dezembro de 2022, um portal do denunciante. Na plataforma, estudantes, investigadores, estagiários, professores e não-docentes podem denunciar situações consideradas ilegais, praticadas dentro da instituição, nomeadamente de assédio (moral ou sexual). "Até ao momento recebeu duas denúncias. Uma das denúncias foi arquivada por falta de fundamento e a outra encontra-se em processo de análise", revelou fonte oficial da UMa.
Açores
Há cerca de um ano, a reitoria da Universidade dos Açores (UAc) decidiu avançar com um canal de denúncias. Até agora não registou nenhuma queixa, esclareceu, ao JN, Adolfo Fialho, vice-reitor responsável pela pasta dos Estudantes, Alumni, Cultura e Bem-estar. "Houve um apontamento de uma situação, denunciada por parte dos estudantes, fora do canal, mas posso garantir que não é de natureza sexual e há um processo de averiguação a decorrer", apontou.
Porém, Adolfo Fialho salvaguardou que no seguimento de qualquer denúncia "é aberto um processo para analisar a situação, onde são ouvidas as partes". Um procedimento que segue a "transmutação legal". O vice-reitor garantiu ainda que qualquer estudante que passe por uma situação de assédio e sinta a necessidade de ter apoio psicológico pode procurar ajuda junto do gabinete de saúde e bem-estar da universidade.
Com a eleição da nova reitoria, em junho do ano passado, e a criação da pasta de que é responsável, Adolfo Fialho afirmou que tem havido uma "grande preocupação ao nível do bem-estar dos estudantes" pelo que a universidade tem apostado em ações abertas à comunidade académica direcionadas para questões de género, o combate à discriminação as pessoas LGBTQ e à violência no namoro.