Abandonou a Força Aérea para ter melhores condições na TAP. Contudo, companhia aérea suspendeu formação devido à covid-19 e piloto, sem qualquer apoio da empresa ou do Estado, teve de ser motorista da Uber e pedir dinheiro emprestado para sobreviver e alimentar a família
Corpo do artigo
André Serra, o piloto de aviões que morreu a combater um incêndio florestal em Foz Côa, foi obrigado a ser motorista da Uber e assistente de veterinário para, durante a pandemia da covid-19, conseguir sustentar a família. Sem quaisquer rendimentos na sequência da suspensão da formação que o tornaria piloto da TAP, o ex-capitão da Força Aérea teve ainda de contrair um empréstimo bancário de 35 mil euros para devolver o dinheiro que tinha pedido emprestado a familiares e amigos. Devido às dificuldades que passou, André Serra subscreveu, com outros três pilotos, uma queixa contra a TAP, companhia aérea que acusa de o ter discriminado e à qual exige mais de 76 mil euros de indemnização.
15029149
Em novembro de 2019, a TAP abriu um concurso para contratar cerca de 130 oficiais pilotos e André Serra, então um capitão da Força Aérea, decidiu concorrer. A sua candidatura foi aceite e, cumprindo as exigências da companhia de bandeira portuguesa, o piloto, tal como outros 16 colegas militares, foi obrigado a desvincular-se das forças armadas portuguesas.
O curso começou no final de 2019 e André Serra cumpriu todas as etapas com sucesso até que, no início de abril de 2020, a TAP suspendeu a formação, devido à pandemia que fechou o país. Na mesma ocasião, a companhia também cancelou a bolsa mensal, equivalente a dois ordenados mínimos, que vinha pagando aos 132 formandos desde o início do curso.
Fechado em casa e sem ordenado, André Serra ficou ainda sem qualquer apoio financeiro do Estado, uma vez que já não tinha qualquer vínculo laboral à Força Aérea e dispunha somente de um acordo de formação com a TAP.
Pilotos obrigados a entregar encomendas para sobreviver
Numa ação declarativa que apresentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, André Serra acusa a TAP de não ter garantido "qualquer tipo de apoio aos formandos equivalente ao que havia feito com os restantes trabalhadores, numa clara atitude de discriminação, desinteresse e desresponsabilização quanto aos mesmos".
Serra e os colegas militares defendem, ainda, que a TAP os deixou "num limbo e situação de incerteza sobre o futuro", uma vez que o último contacto com a companhia aérea aconteceu em junho do ano passado. Estes referem, aliás, que não sabem se a formação se mantém suspensa e se podem, ou não, "assinar contrato com outras entidades para a prestação de trabalho".
Na queixa consultada pelo JN, André Serra realça o facto de ter tido que trabalhar como motorista da Uber e assistente de veterinário para conseguir sobreviver. Formandos do mesmo curso da TAP ouvidos pelo JN contam que também eles tiveram de sobreviver com trabalhos de recurso. "Alguns entregaram encomendas, porque não tinham outra forma para sustentar a família. Além das consequências financeiras, esta situação deixou muitas marcas psicológicas nos pilotos", revela um dos colegas de André Serra.
"A [TAP] lançou dezenas de pilotos profissionais para o desemprego sem que estes pudessem aceder a qualquer apoio da Segurança Social, nem lhes garantindo a própria TAP qualquer apoio", lê-se na ação declarativa, na qual André Serra exige à TAP o pagamento de 15 mil euros por danos não patrimoniais, mais 19410 euros referentes aos meses da bolsa que não recebeu e ainda 45519 euros pelo não cumprimento de acordo.
TAP realça "razões ponderosas e legítimas correlacionadas com o contexto pandémico"
Ao JN, Ricardo Nascimento, advogado dos formandos, mostra-se "chocado com a triste notícia da morte de André Serra", mas assegura que o processo judicial continuará "com o objetivo de lograr conseguir a indemnização devida" à família. "Por questões de sigilo profissional não me posso pronunciar publicamente sobre o processo pendente, mas também não tenho nada mais a acrescentar ao que já aleguei na petição inicial a que o JN conseguiu ter acesso. Considero uma tremenda injustiça a forma como a TAP tratou o André Serra e demais pilotos na mesma situação, que propuseram outras ações contra a companhia que deveria corrigir esta situação iníqua com a maior celeridade. Mas confio que se a TAP não o fizer, os nossos tribunais saberão corrigir a mesma", acrescenta.
Também a TAP lamenta "muito a morte do piloto André Serra" e está solidária com a família "neste momento tão difícil". Ao JN, fonte oficial declara que "a TAP não comenta processos judiciais em curso, mas confirma que André Serra concorreu por opção própria ao concurso de Oficiais Piloto de Aviação Comercial".
"Os concursos para pilotos da TAP conferem aos candidatos o acesso a curso de formação que pode ou não ser concluído por motivos vários e findo o qual (também dependendo da obtenção de aptidão) poderão ou não ser contratados pela TAP. O curso frequentado pelo piloto André Serra, bem como pelos demais pilotos, não foi concluído por razões ponderosas e legítimas correlacionadas com o contexto pandémico", frisa a companhia aérea.