Nove de dez municípios têm mais despesas em ano de autárquicas. Um costume antigo explícito nos orçamentos que visa a reeleição.
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Edifícios, estradas, jardins, centros culturais, pavilhões ou relvados. Em ano de eleições autárquicas, a maioria das câmaras investe mais em obras. A tendência não é nova e confirma-se outra vez este ano, a julgar pelos orçamentos municipais de algumas câmaras, sobretudo as de maior dimensão, analisadas pelo JN. São estas, como podiam ser outras, uma vez que a prática é generalizada e já foi confirmada por especialistas que não têm dúvidas: a obra feita visa a reeleição.
Nos orçamentos municipais, os documentos que refletem a previsão anual das despesas e receitas, o gasto em obras localiza-se na rubrica "aquisição de bens de capital", concretamente nos investimentos, que abrangem habitações (aquisição e reparação), edifícios (mercados, escolas e instalações desportivas) ou construções diversas. É na parte das construções que se encontram as obras nos viadutos e arruamentos, bem como parques e jardins.
Nos orçamentos das 10 câmaras verificadas pelo JN, pode ver-se que a rubrica de aquisição de bens de capital de 2021 é quase sempre superior à média dos três anos anteriores. Apenas num caso, o de Lisboa, o fenómeno não acontece, uma vez que em 2019 a capital teve um dos maiores investimentos de sempre, acima dos 400 milhões de euros.
Este fenómeno tem sido analisado pelos investigadores Francisco José Veiga e Linda Gonçalves Veiga, da Universidade do Minho, que constataram que o investimento municipal é maior no último ano de mandato: "Detetamos, de facto, um efeito maior no ano da eleição, mas também já algum efeito no ano anterior, em que a despesa era superior às dos dois primeiros anos".
Na Câmara de Vila Nova de Gaia, por exemplo, o investimento previsto para 2021 ultrapassa os 87 milhões de euros, ao passo que a média dos anos anteriores foi de 48 milhões. A nova ponte sobre o Douro e respetivos acessos, bem como outras obras, como a requalificação da feira dos Carvalhos, são alguns dos investimentos de 2021.
Limite de mandato
Em Oeiras, a variação também é grande, com mais de 64 milhões de euros previstos em investimento para este ano, muito acima dos 37 milhões que a Câmara previa gastar na média dos três anteriores. A inflacionar o valor está a construção do Fórum Municipal, nova sede da Câmara, adjudicada por 45 milhões de euros e cuja conclusão só deverá acontecer em 2023.
Na generalidade das câmaras, segundo os estudos da UMinho, a diferença é "estatisticamente significativa e economicamente significativa também". Mas há exceções. Se o autarca em funções não se puder recandidatar devido ao limite de três mandatos, a diferença já não é tão grande: "Aqueles que não se podiam recandidatar não pareciam esforçar-se tanto para mostrar obra feita".
Entre as 10 câmaras analisadas pelo JN, apenas José Maria Costa (Viana do Castelo) atinge o limite de mandatos e não se pode recandidatar nas eleições que serão agendadas para setembro ou outubro deste ano. Os restantes deverão ser todos candidatos e alguns já o confirmaram. Ainda assim, a previsão de investimento da Autarquia vianense para 2021 também é quase 30% superior à previsão dos três primeiros anos do atual mandato. Isto pode ser explicado com o facto de Luís Nobre, mais que provável sucessor de José Maria Costa como candidato do PS, também integrar o atual executivo, como vereador do Urbanismo.
O facto de as câmaras estarem a gastar mais em ano eleitoral não significa, contudo, que isso comprometa as finanças autárquicas. Francisco José Veiga ressalva que "no global, a gestão financeira dos municípios tem sido responsável" e prova disso é a descida da dívida total das câmaras desde 2011, segundo tem vindo a ser registado pelo Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses.
Falta a data
Compete ao primeiro-ministro agendar o dia das eleições Autárquicas. Ainda não há data, mas o governante deixou escapar que poderão ser "em setembro", o que deixa antever ser provável o dia 26.
PS ganhou 2017
O PS venceu em 2017, alcançando mais câmaras (159), mais votos (quase dois milhões) e grandes centros urbanos como Lisboa, Sintra, Coimbra, Leiria, Amadora, Odivelas, Matosinhos, Gondomar e Gaia.
Independentes
Os movimentos independentes atingiram cerca de 10% do eleitorado e conseguiram 17 câmaras em 2017.