António José Seguro: "Apelo aos eleitores de Esquerda para que concentrem os seus votos em mim"

António José Seguro, candidato presidencial
Foto: Rita Chantre
Foi ministro, líder parlamentar e secretário-geral do PS, mas esteve dez anos afastado da vida pública depois de perder a liderança para António Costa. Aos 63 anos, regressa ao palco da política para tentar chegar a Belém e ser um presidente da República capaz de arquitetar convergências que façam a economia crescer. Pede a todos que se identificam com a Esquerda para concentrarem em si o voto útil. Na sua visão, a Direita, tanto a tradicional como a extremista, já tem demasiado poder em Portugal. Promete não ser um presidente comentador.
Teve esta semana um debate decisivo com Henrique Gouveia Melo. Acredita que de alguma forma recuperou os socialistas que pretendiam votar no almirante?
As reações não podiam ter sido melhores. Muitas pessoas que disseram que estavam indecisas e que deslocaram o seu voto para mim. Ou seja, que me disseram expressamente que vão apoiar a minha candidatura. Foi possível falar com mais de um milhão e meio de pessoas que passaram pelo debate, mas espero que esta amostra que chegou até mim seja reveladora de uma onda de aproximação e de confiança na minha candidatura.
Mas a verdade é que parece que o PS acaba por estar dividido entre António José Seguro e Gouveia Melo.
Há muita gente que vota PS que está comigo, mas também há pessoas que votam PSD, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, Livre, PCP, e até Chega e CDS. Portanto, a minha candidatura é abrangente e agregadora e dirige-se a todos. Se merecer a confiança dos portugueses, não serei um primeiro-ministro sombra em Belém, nem levarei um programa partidário.
"As principais leis aprovadas no Parlamento nos últimos tempos, a da nacionalidade e a dos estrangeiros, tiveram essa maioria [Direita e extrema-direita]"
Fez alguma diligência, ou vai fazer, junto dos candidatos de Esquerda para que desistam a seu favor?
Não faço qualquer diligência nesse sentido. Faço é um apelo aos eleitores, designadamente aos de centro-esquerda, para que concentrem e convirjam os votos na minha candidatura. E não o faço por razões ligeiras. Faço-o com um grande sentido de responsabilidade. Quem olha para o país e percebe que o sistema político está completamente desequilibrado. E esse desequilíbrio pode ser muito perigoso para o nosso país. Nós vivemos um tempo muito, muito, muito perigoso. Nunca a democracia esteve sob ataque como agora. E se nós verificarmos, há um desequilíbrio a favor do campo da chamada Direita tradicional e da extrema-direita. As principais leis aprovadas no Parlamento nos últimos tempos, a da nacionalidade e a dos estrangeiros, tiveram essa maioria. Essa mesma maioria hoje é suficiente para fazer uma revisão da constitucional e, portanto, num Parlamento fragmentado é bom que na Presidência da República esteja uma pessoa com as minhas características, que seja representativa de um espaço político diferente, mas que, ao mesmo tempo, seja uma pessoa de diálogo, que fale tanto à Esquerda como à Direita, que seja capaz de promover consensos. E eu vejo com muita preocupação, por exemplo, este adiamento da eleição dos juízes para o Tribunal Constitucional, porque dá-me a ideia que estão à espera das presidenciais para avançar e reforçar ainda mais aquilo que será essa presença da Direita nos órgãos de soberania em Portugal.
Reconhece que a divisão de votos entre muitos candidatos desse quadrante torna mais provável uma segunda volta com dois de Direita?
Mas essa é a decisão que os eleitores de Esquerda têm de tomar: se querem um voto de natureza mais partidária ou um voto de natureza presidencial. E se quiserem ter um voto presidencial, a candidatura que está em melhores condições de ir à segunda volta é a minha. Faço o apelo a todas as mulheres e a todos os homens que têm convicções na área da Esquerda, do centro-esquerda, para concentrarem os votos na minha candidatura. Eu julgo que isto é uma coisa simples e é algo muito lúcido.
"Os portugueses nunca colocaram todos os ovos no mesmo cesto (...). Eu estarei na segunda volta"
O voto útil faz sentido nas eleições presidenciais?
Faz muito sentido nestas eleições presidenciais. Já imaginaram o que era uma eleição presidencial disputada apenas com dois candidatos do mesmo campo ideológico, do mesmo campo político? Isso desequilibrava o país. Deixava de fora da representação dos órgãos de soberania uma parte importante dos portugueses. Agora, os portugueses precisam de estar representados em todos os órgãos de soberania. É por isso que eu digo que os portugueses têm a ganhar com a minha eleição para presidente da República porque, entre outras razões, faz o equilíbrio do sistema político do nosso país. E os portugueses foram sempre sábios, nunca colocaram todos os ovos no mesmo cesto. Estou convencido que isso vai acontecer e eu estarei na segunda volta.
Desde 2014, quando deixou a liderança do PS, considera que de alguma forma a Esquerda deixou de saber falar para as pessoas?
Bem, isso é um problema sobre o qual a Esquerda tem de se entender e conversar. Eu estou aqui como candidato presidencial e acredito no bom senso dos portugueses. Eu tenho a certeza que os portugueses querem equilíbrio no nosso sistema político. Que é o equilíbrio que pode trazer estabilidade política e paz social. E nós precisamos no nosso país ter estabilidade política e paz social para resolvermos os graves problemas que o país tem. Nós não precisamos de mais divisões. Já há divisões a mais, já há ódios a mais. Nós precisamos de alguém que seja capaz de agregar. Ora, eu tive a lucidez de me afastar quando podia dividir. E volto agora para unir. Para unir os portugueses em torno de um projeto de esperança, de um desígnio. Eu costumo perguntar muitas vezes algo muito simples: se tudo correr bem, se tivermos o melhor Governo do Mundo, daqui a cinco ou dez anos, onde é que Portugal está? Ninguém responde. Porque não há um desígnio, não há uma direção, não há um caminho, não há uma estratégia. Nós precisamos de ter uma visão para Portugal. Eu tenho essa visão. Eu quero um país justo e um país de excelência. Um país de excelência é capaz de mobilizar o melhor, de organizar as nossas competências, as capacidades, para criarmos mais riqueza e, criando mais riqueza, através de um modelo económico de melhores salários, naturalmente que a distribuição de riqueza será maior.

Foto: Rita Chantre
O secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, vai ter uma presença fundamental na sua campanha eleitoral?
Não discuti isso ainda. Ainda no domingo estive com ele. Temos falado regularmente. Era o que mais faltava que isso não acontecesse.
Falta pouco mais de um mês para o arranque da campanha. Além de José Luís Carneiro, que outras figuras do PS é que espera ter consigo estes dias?
A minha candidatura é abrangente. Portanto, tem pessoas de todos os quadrantes políticos. Do centro, do centro-esquerda, centro-direita, socialistas, social-democratas, europeístas e liberais. É uma candidatura agregadora. E, portanto, todas as pessoas que vierem com esta ideia de ajudar a construir uma maioria sociológica que mobilize o país no sentido da esperança e no sentido de criarmos mais riqueza em Portugal, para a distribuirmos também melhor, são bem-vindas. Eu não pergunto às pessoas de onde é que vêm, qual é o seu cartão. Aquilo que me interessa é para onde querem ir. Estão de acordo quanto a termos um Estado a funcionar, uma economia mais competitiva e não aos solavancos, termos um país que tem um projeto, uma estratégia e um caminho? Eu quero ser o líder dessa maioria. Eu não serei um presidente que vai para a Belém para ver as flores crescerem. Eu serei um presidente exigente, que lidera. Nós temos coisas fantásticas no nosso país, mas temos outras que precisam de muitas e muitas "obras". A começar por acabar com a burocracia do Estado. A minha prioridade vai ser a promoção da saúde a tempo e horas.
O facto de a sua candidatura não ser consensual no PS acaba por ser uma mais-valia para si? Mesmo Carlos César, presidente dos socialistas, quando anunciou o apoio formal, disse que a participação do PS terminava naquele próprio dia.
As pessoas dizem o que entendem, expressam as suas opiniões, vivemos em democracia. O meu papel, enquanto líder, é mobilizar os portugueses em torno de um objetivo concreto. Já repararam nos jovens, nesta geração altamente qualificada. As famílias e o Estado fazem um esforço para que eles possam estudar e depois o país não lhes dá oportunidades para que se realizem profissionalmente cá dentro. Têm que ir trabalhar para outros países. Isto é um pecado, um duplo pecado, porque nós precisamos desse talento em Portugal e, em segundo lugar, precisamos de rejuvenescer a população. Portanto, aquilo que me interessa é dar aos jovens um novo movimento de esperança, de oportunidades para se fixarem cá e, sobretudo, também para poderem ter acesso à habitação. Os jovens portugueses são aqueles que, na Europa, mais tarde saem de casa dos pais. É inaceitável. No meu tempo de jovem, o futuro era uma avenida larga. Estas gerações vivem num beco sem saída. Nós temos que lhes dar esperança. As pessoas têm que voltar a acreditar no país. E eu quero ser líder dessa melhor maioria sociológica de mudança.

Foto: Rita Chantre
"Não serei um presidente comentador, todos os dias nas TV"
José Luís Carneiro já disse que não se compromete com a viabilização do próximo Orçamento do Estado (OE). Em caso de chumbo da proposta orçamental do Governo, dissolve ou dá oportunidade para um segundo OE?
Em primeiro lugar, eu quero ter reuniões de trabalho com cada líder partidário. E é nesse enquadramento que eu encontrarei as soluções ou os caminhos para ajudar a todas as convergências. Espero que haja condições para que o país tenha orçamentos todos os anos.
Os poderes do presidente da República devem ser reforçados, nomeadamente quando há diplomas que voltam a Belém e o titular do cargo é obrigado a promulgá-los?
O papel que eu devo ter enquanto presidente da República não exige que haja alterações à Constituição. Considero que o sistema de Governo do nosso país dá o espaço suficiente para que o presidente lidere este movimento de mudança, nomeadamente na forma como os partidos lidam entre si. Nada do que é urgente no nosso país para melhorar a vida dos portugueses, exige uma mudança constitucional. E a Constituição não pode ser a desculpa para não se fazer o que se deve. Para nós termos o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde, precisamos mudar a Constituição? Não, pelo contrário, o que precisamos é de a cumpri-la. Em segundo lugar, o acesso à habitação, outra urgência, precisa de se mudar a Constituição? Não. Para fixar e atrair os jovens no nosso país, criar riqueza, tornar a economia mais competitiva e as empresas mais produtivas, precisa de mudar a Constituição? Não precisa.
Já disse que Luís Marques Mendes ou qualquer outro candidato à Direita, caso seja eleito, vai de alguma forma desequilibrar o sistema político, porque nesta altura o PS nem é necessário para uma revisão da Constituição. Isso não é um contrassenso, tendo em conta que o presidente da República não pode votar alterações à Constituição?
Não, não é um contrassenso pelo seguinte. Como o sistema está excessivamente desequilibrado, nós temos um partido que é hegemónico, tem a maioria das juntas e das câmaras, tem o governo nacional da Madeira, o governo nacional dos Açores, tem maioria no Parlamento e, conjuntamente com o Chega e a Iniciativa Liberal, tem dois terços para alterar a Constituição, e, portanto, convém que o sistema político esteja equilibrado com um presidente que tenha uma outra sensibilidade, tenha uma outra origem. Não para fazer oposição. Eu venho para cooperar, mas trago a minha sensibilidade. Eu não levo um programa partidário para Belém, levo apenas a minha sensibilidade, a maneira de olhar a sociedade. Dou-lhe um exemplo. A questão do Código Laboral. Nós temos presente essa discussão neste momento no nosso país. Ora, eu considero que essa discussão está ferida de um princípio democrático, isto é, não foi a votos quando os partidos do Governo se apresentaram a eleições. Segundo, a Concertação Social falhou. Podia dar outros exemplos. Então isto não é uma forma do presidente da República, olhando para este Estado, incentivar o diálogo? Dizer ao primeiro-ministro, o senhor tem que ouvir melhor as opiniões dos trabalhadores.
Mas ele não o fez?
Que eu tenha conhecimento, ele não o fez. Mas eu estou a falar de mim. Qualquer reforma laboral, como qualquer outro tipo de mudança, precisa de corresponder a objetivos de crescimento da nossa economia, de maior produtividade das nossas empresas, de combate à desigualdade salarial entre homens e mulheres, entre outras dimensões. Ora, esta proposta de reforma laboral não cumpre nenhum destes objetivos. Mais, recentemente, o Governo congratulou-se com o facto de a revista "The Economist" ter dado uma nota positiva à economia portuguesa. E um dos fundamentos reside precisamente no dinamismo do mercado laboral.

Foto: Rita Chantre
Faria, como o atual presidente, comentários e avaliações sobre problemas concretos da nossa sociedade? Dou-lhe dois exemplos: o SNS e quando o combate aos incêndios no verão. Seria um comentador desse tipo de situações, um avaliador? Qual seria o seu estilo de intervenção pública?
Eu tenho bem noção e consciência do tempo do presidente. O tempo do presidente ajuda a preservar a sua autoridade. A palavra do presidente tem de ter consequência e, por isso, não serei um presidente comentador. Haverá dias em que não tenho de aparecer a falar ou ter agenda pública, mas estarei a trabalhar, precisamente para criar as condições internamente com o Governo, com os parlamentares, com os partidos, com os atores sociais, com os atores económicos, com os atores culturais, com os atores científicos, para mobilizar o país na procura das soluções que eu considero que são indispensáveis e urgentes para melhorarem a vida dos portugueses. Eu serei um presidente muito ativo, mas focado na solução para resolver os problemas dos portugueses. E, portanto, não serei um presidente comentador. Quem gosta de ter um presidente todos os dias nos telejornais, de certeza que não vai gostar da minha forma de intervir.
O salário mínimo tem acelerado muito, mas como presidente prestará também uma atenção especial à classe média, que muitas vezes é fundamental para o desenvolvimento do país?
Sem uma classe média forte e robusta, que vai melhorando ano após ano as suas condições, o país fica numa situação muito difícil. Eu olho para os aumentos do salário mínimo como algo de positivo. Só que o custo de vida, em algumas dimensões, tem crescido ainda mais. Isso só se resolve olhando para o perfil da nossa economia. Dando-lhe presença, dando-lhe dimensão e fazendo com que o Estado seja amigo das pessoas.
Nota: O JN entrevistou os candidatos Jorge Pinto, Luís Marques Mendes, António Filipe, Catarina Martins, João Cotrim de Figueiredo, Henrique Gouveia e Melo e António José Seguro. André Ventura mostrou-se sempre indisponível.
