A hora é de abrir as janelas e retirar as máscaras. A concentração de partículas nocivas na atmosfera, que bateu recordes na região norte e centro devido aos incêndios, voltou a valores normais em zona como o Porto e Gaia e a recomendação é expulsar de casa os miasmas.
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Dados do sistema nacional de monitorização do ar, o QualAr, da Agência Portuguesa do Ambiente, mostram que durante a tarde desta quinta-feira os níveis de concentração de partículas voltaram a valores normais depois de dias a bater recordes nos distritos de Aveiro, onde se concentraram os maiores fogos dos últimos dias, e do Porto, que além incêndio em Gondomar e Paredes, por exemplo, ficou também afetado com os fumos provenientes de sul.
“Agora é uma boa altura para abrir as janelas porque neste momento vamos ter certamente partes das nossas casas muito contaminadas e que precisamos de renovar rapidamente o ar para restabelecermos os valores”, disse o pneumologista João Carlos Winck, que se afadigou durante estes dias a procurar dados em aplicações e sites internacionais ou a conversar com colegas de profissão sobre a qualidade do ar. “Tudo isto requer objetividade. Precisamos ter alguém a monitorizar. Ter isto, de facto, numa plataforma ligada ao Ministério do Ambiente ou ao Ministério da Saúde ou à Direção-Geral de Saúde era o mais conveniente. Aliás, por exemplo, para os polenes, há inclusivamente alertas para as pessoas que são alérgicas”, acrescentou.
À vista de todos, e durante três dias a cair-nos na cabeça aos pedacinhos, o céu de fumo que cobriu vastas área da região centro e norte estava carregado de partículas inaláveis. Com tamanhos inferiores a 10 micra (µm) ou 2,5 (µm), mircoscópicas – um grão de areia da praia tem, em média, 95 micra, foram consideradas “muito nocivas para a saúde humana”, em comunicado da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte, no dia 17.
O nível máximo de partículas inaláveis inferiores a 10 micra registado em Aveiro foi “extremamente elevado”, confirmou Alexandra Monteiro, mestre em Poluição Atmosférica e doutorada em Ciências Aplicadas ao Ambiente pela Universidade de Aveiro, na qual é docente. “Excedemos em muito os 500 microgramas por metro cúbico, em média diária. Horária, foi acima dos 1600”, disse. Valores extemos, quando o limite para a proteção da saúde humana não deve ceder os 50 microgramas por metro cúbico (µg/m³) de média diária.
Segundo dados do QualAr, em Aveiro o máximo horário foi atingido às 10 horas de terça-feira, em 1527 µg/m³, mil vezes superior aos 15 de máximo que haviam sido registados na sexta-feira, dia 13. Em Estarreja, os valores máximos horários foram de 1704 µg/m³, que comparam com 22 na sexta-feira 13, antes de começarem os incêndios.
Alexandra Monteiro reconhece que foram atingidos recordes nos últimos dias, lembrando que há quatro anos, em Aveiro, também foram registados 1500 MU. “O tempo foi muito curto, foi uma manhã. E depois as condições de dispersão melhoraram bastante, então à tarde as coisas dissiparam-se. Não foi como estes dias que as coisas se prolongaram durante muito tempo. Eu julgo que foi isso também que foi mais sério desta vez”, disse a investigadora
No Porto, o clima começou a desanuviar na tarde de quinta-feira, após três dias debaixo de um teto de fumo. O valor horário máximo, recolhido na estação de Sobreiras-Lordelo do Ouro, foi de 410 microgramas, às 10 horas do dia 17, mas com partículas ainda mais finas, inferiores a 2,5 micra, microscópicas, que compara com um pico de 26 µg/m³, na sexta-feira dia 13, quando a média diária é inferior a 10 µg/m³. Segundo dados do QualAr, os valores normalizaram a partir das 14 horas desta quinta-feira.
“Nem consigo imaginar o que será respirar essa concentração de partículas”, disse João Carlos Winck, explicando alguns dos problemas de viver num eclipse com origem num incêndio. “Respirar um ar cheio destas partículas aumenta a suscetibilidade às infecções”, que é particularmente difícil para pessoas com asma ou doenças pulmonares crónicas. “Podem ter uma crise que os leva a entrar em insuficiência respiratória e levá-los ao hospital”, alertou.
“Há ainda outro mecanismo que também nós já conhecemos, que é estas partículas entram na circulação sanguínea e vão pelo sangue fora. Podem provocar acidentes vasculares cerebrais ou contribuir para bloquear as artérias coronárias e provocar um enfarte”, alertou João Carlos Winck, admitindo que a morte do bombeiro João Silva, durante uma pausa no combate ao fogo em Oliveira de Azeméis possa ter uma relação com a poluição. "Pode ter sido por uma arritmia, por uma questão do monóxido de carbono, mas também pode ter sido por uma inalação massiva destas partículas que lhe entraram em circulação e que lhe fizeram este tal fenómeno", disse.
"A Direção-Geral de Saúde devia monitorizar nos próximos tempos é exatamente o número de casos que aconteceram esta semana e que vão acontecer nas próximas semanas porque estes efeitos às vezes são a longo prazo", acrescenta o pneumologista. “Há efeitos ao longo prazo que sinceramente ainda nem sequer estão estudados", aduz Alexandra Mongiro. Há quem até já aponte algumas relações com doenças oncológicas, portanto ainda há um desconhecimento dos impactos totais que a exposição a estes poluentes podem ter. Portanto, pode ser muito mais do que aqueles que a gente pensa que é só a nível respiratório", acrescentou a investigadora. "É uma marca que fica", completa João Carlos Winck.
Níveis de monóxido de carbono elevados
Além das partículas nocivas na atmosfera, o nível de concentração de monóxido de carbono também foi elevado e chegou às seis mil partes por mil milhões, quando a média é de 150. O alerta foi dado por Andreia Rodrigues, especialista em Proteção Civil, que recolheu os dados no âmbito do acompanhamento que está a fazer dos incêndios no norte e no centro de Portugal.
"Se começar a haver idosos a ir para os hospitais com saturações muito baixas ninguém vai compreender se não fizermos um trabalho preventivo", observa Andreia Rodrigues, sublinhando que o "problema é que o monóxido não é visível" sem instrumentos de deteção. E também não tem cheiro. Mas não é só por isso que é perigoso. "Ao contrário do dióxido de carbono, que entra e sai, o monóxido fica. Aquele espaço deixa de poder receber oxigénio", alerta.
"O dióxido de carbono ocupa os globos vermelhos e retira de lá as moléculas de oxigênio e portanto não temos o nosso carburante para ser distribuído para todos os órgãos. Estamos a trabalhar, digamos, com o sangue envenenado", explicou João Carlos Winck, admitindo que pode ser uma situação "muito grave" em caso de exposição aguda. "Mas, a exposição ao monóxido de carbono não provoca coisas crónicas. A longo prazo, o corpo limpa tudo", acrescentou o pneumologista.
Alexandra Monteiro não vê grandes problemas na concentração de monóxido no ar. "Parece que é uma coisa exorbitante, mas não é, porque ele já existe muito na atmosfera, é um constituinte natural", disse a investigadora da Universidade de Aveiro, alertando, no entanto, para os perigos do monóxido de carbono em espaços fechados, que origina mortes particularmente por falta de ventilação das casas de banho.