Numa semana, ardeu em Portugal um terço da área queimada na Europa no ano passado. O Relatório do Estado do Clima confirma a evidência já conhecida, que 2024 foi o ano mais quente de sempre, mas revela que as temperaturas bateram recordes em quase metade do continente. 45% dos dias foram mais quentes do que o normal.
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É uma análise carregada de recordes que destaca 2024 como um ano de muito "stress" devido ao calor, grandes prejuízos com tempestades e inundações e com um significativo contributo português no que diz respeito aos incêndios. O relatório da Organização Meteorológica Mundial e do Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do programa Copernicus da União Europeia (C3S), divulgado nesta terça-feira, relata que a semana de grandes fogos vivida no país, em setembro, alterou por completo as contas europeias. Numa semana, arderam em Portugal cerca de 110 mil hectares, 32% do total de área ardida na Europa (400 mil hectares) durante todo o ano. Pior, só mesmo o fatídico ano de 2017.
Até setembro, o "acumulado do ano estava abaixo da média", mas com os vários incêndios de grandes dimensões que deflagraram em Portugal, justificados pela "combinação de condições de seca e ventos fortes", o ano terminou com uma área ardida na Europa "ligeiramente acima da média", mas 66% inferior ao recorde de 1,2 milhões de hectares registados em 2017. Tal contribuiu para que as emissões de gases e aerossóis provocados pelos incêndios florestais em setembro fossem "muito acima da média" do que no resto do ano.
O Relatório do Estado do Clima confirma que "2024 foi o ano mais quente de que há registo na Europa", com temperaturas anuais recorde em 48% do continente, sobretudo na Europa Central, Oriental e do Sudeste, mas também no Norte da Escandinávia e no Sudeste de Espanha. "A Islândia foi o único país com temperaturas muito mais baixas do que a média. Uma grande parte da Gronelândia e algumas pequenas zonas do sudoeste da Europa registaram temperaturas próximas da média", apontam os dados divulgados, indicando que nas regiões leste e sudeste da Europa verificaram-se temperaturas de 2-3ºC acima da média.
Só quatro dias com temperaturas abaixo da média
Quase metade (45%) dos dias do ano foram mais quentes do que o habitual e 12% foram mesmo os mais quentes desde que há registo. No sentido inverso, apenas quatro dias registaram temperaturas muito abaixo da média para a época do ano e em 59 dias as temperaturas estiveram abaixo da média. Sobre o frio, o relatório mostra que "a fração da Europa que não regista dias com temperatura abaixo de zero está a diminuir", sendo que a queda do número de dias de geada "foi particularmente notória". "Cerca de 69% da superfície terrestre europeia registou menos de três meses (90 dias) de dias de geada. Esta é a maior área registada com tão poucos dias", sublinha.
Num contaste cada vez mais evidente entre o este e o oeste, por oposição ao norte e ao sul, a análise das duas entidades mostra também que julho de 2024 assistiu à mais longa onda de calor alguma vez registada no sudeste da Europa, zona com um número recorde de dias de "stress por calor intenso" e noites tropicais. Em 60% do território, houve mais dias do que a média com "stress de calor forte", o que significa que a temperatura sentida foi de, no mínimo, 32ºC. "No entanto, cerca de 30% da Europa, principalmente nas regiões norte e noroeste, tiveram menos dias do que a média com este nível de stress pelo calor. Grande parte do sul e leste da Europa teve mais dias do que a média com pelo menos stress de calor muito forte, onde a temperatura sentida foi de 38°C ou mais", pode ler-se na análise.
O relatório indica também que no sul de Portugal, no sudoeste de Espanha e em alguns locais do sudoeste da Europa registou-se um número abaixo da média de dias de "stress por calor extremo", mas que em todo o território europeu o número de dias com estas condições (calor forte, muito forte e extremo) tem vindo a aumentar desde a década de 1980. Durante o verão, ocorreram no continente seis ondas de calor, incluindo a mais longa e a segunda mais grave desde que há registo.
Energias renováveis estão a aumentar
O documento refere ainda que 2024 foi um ano de fortes inundações na Europa - a situação não era tão grave desde 2013 -, provocadas sobretudo por precipitações intensas ou prolongadas. No ano passado, as tempestades e inundações causaram a morte a pelo menos 355 vítimas mortais e afetaram cerca de 413 mil pessoas, provocando danos avaliados em 18 mil milhões de euros. Neste segmento, o relatório destaca as cheias provocadas em Espanha, que provocaram "impactos devastadores na província de Valência, onde pelo menos 232 pessoas perderam a vida".
Apesar dos indicadores preocupantes em diferentes áreas, o Relatório do Estado do Clima também aponta os progressos europeus na área das energias renováveis, apesar da ainda dependência considerável de combustíveis fósseis. A proporção de produção de eletricidade a partir de energias renováveis atingiu um novo recorde, com 45% em comparação com o anterior máximo, de 43%, fixado em 2023. Dos 45%, cerca de 18% foram produzidos por energia eólica, cerca de 9% por energia solar e cerca de 18% por energia hidroelétrica. "A criação de energia a partir de fontes de energia renováveis é essencial para a transição da Europa para um sistema energético descarbonizado. Os relatórios indicam que, desde 2019, o número de países da União Europeia onde as energias renováveis têm gerado mais eletricidade do que os combustíveis fósseis quase duplicou, passando de 12 para 20, impulsionado por um aumento da capacidade eólica e solar", aponta.